quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Do pedestal ào banco de reservas

Maradona saí da posição de mito para se tornar técnico da seleção argentina

O que podemos definir como imortalidade? Com a improbabilidade biológica de ter uma vida eterna, lutamos para sermos lembrados, embora nosso corpo esteja ausente do mundo material. Para ser imortal, é preciso deixar um legado, um feito notável na Terra, e enquanto no mínimo uma pessoa lembrar deste, a memória de uma pessoa estará preservada.
Levando-se em conta esse conceito de imortalidade, a única maneira de 'matar' Maradona é exterminar toda a raça humana, pois suas histórias sempre serão contadas de pai para filho, e este já alcançou o hall dos inesquecíveis, assim como Júlio César, Cleópatra, Jesus Cristo, Cristovão Colombo, Charles Darwin, Isaac Newton, Adolf Hitler, Elvis Presley... Para o bem ou para o mal, o 'anjo-demônio' argentino quebra todo o maniqueísmo de céu e inferno, sendo o responsável por dar tantas alegrias ao seu oprimido continente americano, fazendo crianças de Cuba ao Chile se espelharem nele para se tornarem um herói tão digno quanto. Não há lugar onde Maradona seja louvado mais que na Argentina, onde este alcançou o patamar de Deus, sendo sua igreja freqüentada por fãs de futebol que o enxergam como divino.

Até apresentador de tv Maradona ja foi. Na estréia de 'La noche del 10', o entrevistado foi Pelé. Xuxa também passou pelo programa, que aqui no Brasil era retransmitido pela Sportv.

Inesquecível partida contra os ingleses

Há controvérsias quanto ao seu caráter: na Inglaterra, por exemplo, seu nome virou sinônimo de trapaça, após a partida em que o craque portenho fez um gol com a mão, segundo ele, 'a mão de Deus'. Porém, esse gol não foi nada mais que um reflexo entre as tensões destes países há muito tempo: num amistoso em Buenos Aires em 1951, os ingleses alegaram sua derrota por 2 motivos que constrangeram os sul-americanos: o fato de terem mandado um time amador e de terem sido prejudicados pela arbitragem, que reverteram uma cobrança de lateral favorável aos britânicos. Tal motivo iniciou uma inimizade histórica. Na copa de 66, na Inglaterra, o capitão da seleção argentina, Antonio Rattín, fora expulso após pedir para o árbitro um intérprete que pudesse traduzir algo. O juiz da partida, que era alemão, não entendeu o que um argentino falando espanhol queria, e o expulsou. A partida demorou 10 minutos para re-começar, quando uma escolta policial o tirou de campo (Rattín chegou a amassar uma bandeira do Reino Unido e fazer gestos de marmelada para a torcida). O técnico da seleção inglesa, Alf Ramsey, chamou os argentinos de animais, enquanto os argentinos viam os ingleses como trapaceiros que queriam a qualquer custo vencer a copa (inclusive um árbitro alemão apitando a partida entre Inglaterra x Argentina e um árbitro inglês apitando Alemanha x Uruguai, prejudicando os sul-americanos e colocando estes dois países europeus na final desse ano).
Em 1982, as ilhas Falkland (também chamadas de Malvinas), pertencentes ao Reino Unido (embora sejam muito próximas da Argentina) foram 'invadidas' pelos argentinos, logo, os ingleses mandaram tropas de veteranos dispostos a trucidar as jovens tropas argentinas (formadas por garotos iniciantes). O resultado dessa guerra: muitas mortes (especialmente de jovens argentinos) e a ilha recuperada pelos ingleses.
O rancor imperava nos corações portenhos, quando estes enfrentaram advinha quem nas quartas de final da copa de 86? Foi aí que Maradona mostrou na partida um reflexo fiel do sentimento nacional ao fazer o gol mais bonito da história das copas e um gol com a mão (que fora mais celebrado por descontar injustiças ocorridas no passado).

Construindo uma nova história, que pode não ser imortal

Sair de um pedestal e encarar uma 'vida de mortal', sendo técnico de futebol (o que pode o levar a receber críticas e xingamentos inevitáveis, que na condição de ídolo não recebia) é um ato de coragem, ao mesmo tempo que mostra como nós, seres humanos, somos apegados a símbolos: o fato de colocar um ex-jogador glorioso no comando de uma equipe nem de longe é garantia de sucesso, e abusar desse folclore acaba excluindo treinadores que, embora não tenham tantas histórias imortais, poderiam fazer um trabalho muito melhor.
Interessante também é saber a hora de parar: Junior, um dos grandes ícones da seleção brasileira de 82, em 2003 treinou o Corinthians. Duas derrotas por 3 a 0 (contra São Paulo e São Caetano) foram o suficiente para este largar para sempre a carreira de técnico e se poupar de crítica que poderiam fazer o público em geral esquecer toda a sua gloriosa história no futebol.
As pessoas só são canonizadas virando santas após sua morte porque só com o fim da vida se pode ter certeza que esta não possa fazer nenhuma grande besteira que tire sua credibilidade (a única forma de se tirar essa credibilidade após a morte são registros antigos que mostrem sua maldade que não fora vista em vida).
Se mexer com drogas não 'queimou' tanto seu filme com seus conterrâneos, certamente um trabalho ruim na seleção pode mudar o comportamento dos argentinos com o seu grande ídolo. Assim como fui contra Dunga estar no comando da seleção, sou contra qualquer 'atitude folclórica' como a de colocar ídolo no comando da seleção. Está certo que alguns deram certo, como Franz Beckenbauer, mas prefiro não correr esse risco e deixar os imortais no seu espaço, pois quem quer virar herói ainda não se imortalizou.

Da esq. para a direita, de cima para baixo: gol de mão contra a Inglaterra, jogando Show Ball (esporte remanescente do futebol assim como futsal e beach soccer e geralmente jogado por ex-jogadores dos gramados), torcendo para seu time de coração, o Boca Juniors, e altar da sua igreja, em Rosário.

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