quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Inocentes, mas sabem de tudo

Neymar realiza sonho de criança sul-africana de conhecer jogadores brasileiros l Foto: Agência AP
A inocência, não necessariamente, se opõe à sabedoria. Tampouco a sabedoria está necessariamente ligada às primaveras vividas. Fui incumbido dessa reflexão após uma tarde sendo “tio” de três garotinhos chilenos que, ao constatarem minha nacionalidade, ressaltaram de imediato o talento dos jogadores brasileiro ao invés de mencionarem os 7 a 1 sofridos pela Seleção no mundial, ou até mesmo os problemas sociais do Brasil, como geralmente citam os que “não sabem de nada”. 


Ao passear pelas ruas e observar o baba (ou “pichanga”, como se chamam as partidas de futebol informais aqui no Chile), perguntei se poderia brincar também. Nada mal para uma tarde de frio em Puerto Natales, cidade em que estou vivendo há duas semanas. Meu sotaque denuncia minha “estrangeirice” e naturalmente a pergunta pelo meu país de origem veio antes de a bola rolar. “Brasil”, eu disse, para em seguida ouvir um “ohhhhhhh, você conhece Neymar?”. Sim, eu conheço Neymar, assim como Marcelo, Oscar, Willian e David Luiz. Todos eles me representam, mesmo nos tempos de cólera em que o futebol historicamente sempre resistiu. 


Para essas crianças, aparentemente na faixa de 10 a 12 anos, os cabeludos da Seleção Brasileira eram os maiores expoentes de uma nação de 200 milhões. Sem dúvida, responsáveis pela boa imagem que muita gente do mundo todo tem de nossa pátria amada, coisa que nenhuma goleada da Alemanha irá nos tirar. Para esses apaixonados por futebol, Neymar e companhia não são culpados pelas mazelas do país. E de fato, não são mesmo. Sabem de tudo essas crianças, que não foram contaminadas pela ingenuidade (ou seria maldade?) dos partidaristas brasileiros, que com insultos de “reaça” ou “petralha” aos adversários, acham que lutam por um país melhor. Esses, como diria Cumpadi Washington, “não sabem de nada”.


Bom senso e cordialidade são artigos em extinção nas redes sociais nos meses que antecedem uma eleição. Acusações de conspiração pela morte de candidato, informações falsas, editadas em paint e sem fonte sendo compartilhadas por milhares (ou até milhões) de usuários no Facebook e a banalização da violência com memes insinuativos fazem o futebol, um dos maiores expoentes na formação da cultura brasileira do Século XX, ser tratado como pão e circo. Coisa de “povo”, de gente imatura, de vagabundo, de parasita do governo que vive de “bolsa esmola”. Porque para transparecer seriedade e credibilidade, a ideia é agredir uma senhora que lutou pela liberdade durante a ditadura militar, que foi torturada e que chegou à presidência de forma democrática (por mais questionável que seja a democracia do país, como vou citar no parágrafo abaixo). Ou, do lado oposto, fazer chacota com o suposto consumo de drogas de dois candidatos, inclusive com trocadilho entre o sobrenome de um deles e a cocaína, enquanto estas mesmas pessoas se dizem abertas a debater a descriminalização das drogas e o tratamento dado pelo Estado aos dependentes químicos.

Pior do que o mal gosto dos memes é que muita gente os leva a sério

Após as manifestações de junho de 2013, escrevi em uma postagem no blog que eu prefiro um político que não inspire confiança sendo pressionado pela população a um político honesto na zona de conforto. O mesmo vale para as eleições de 2014: independentemente de quem ganhe, é a pressão popular que dará as diretrizes. Político não vive sem voto, principalmente em um modelo em que a imagem e as palavras fáceis valem mais do que o rompimento com heranças seculares e implementação de projetos de longo prazo, que durem mais do que quatro anos. Afinal, quem é escolhido pelo voto popular precisa mostrar serviço, e não dá para ser marqueteiro se seu adversário político conclui seu projeto. Nesse ponto, a democracia brasileira é frágil. O dom da oratória é mais precioso do que o conhecimento técnico. O carisma vale mais do que as ideias.


Uma população conservadora que exige implementação da pena de morte, redução da maioridade penal e maior rigor da polícia militar, infelizmente, terá seus desejos realizados por quem quer que seja eleito, se a tendência for a expansão dessas ideias. Sem reforma política e sem um modelo com financiamento público de campanha, os mesmos grupos (bancos, empresas de construção civil...) interessados em eleger seus líderes devem manter a injeção de dinheiro nos seus candidatos “favoritos” e pautarão os programas de governo, que precisam de “aval” da população. 


O autoritarismo cresce a partir do imediatismo, da sede de fazer justiça com as próprias mãos usando como pretexto a negligência do estado, mas sem combater o problema na raiz e sem medir as consequências que essas medidas acarretarão. O olho por olho, dente por dente, é alimentado diariamente pela TV aberta e rádio, que são os veículos de comunicação muito populares e pouco educativos. A violência policial mata muito, principalmente jovens negros e da periferia, muito diferentes das apresentadoras loiras de telejornal que legitimam linchamentos ou de parlamentares brancos que tratam um livro escrito há mais de mil anos como constituição ( a mais recente do Brasil data de 1988).  


O Brasil, com todos os seus defeitos, provoca brilho nos olhos de muitos estrangeiros, inclusive muitos inocentes como as crianças chilenas que conheci. Esse olhar positivo não aliena e não machuca. Tampouco cura feridas. Mas pode ajudar a compreender como se chegou aos dias de hoje, e o que pode ser feito por dias melhores. Aceitar primeiro. Agir depois. A meditação ensina muito sobre ter “timing” e não agir por impulso. E o futebol, como todos os esportes, ensinam valores lindos. Ao menos nos gramados a regra é clara e Neymar perdoa Zúñiga, que não cometeu nenhum crime, com um abraço. O ódio, quando se infiltra no futebol, geralmente vêm das arquibancadas, como as ameaças ao lateral colombiano nas redes sociais, talvez inspirados pela onda de “linchamento”. Por um país com mais Neymares e menos usuários raivosos e inconsequentes no Facebook.

sábado, 6 de setembro de 2014

Gol de Neymar, e não da Seleção

Neymar marca primeiro gol da "nova era Dunga" I Foto: AFP
 
O Brasil foi superior à Colômbia no jogo desta sexta-feira (5), nos Estados Unidos. A vitória de 1 a 0 em Miami foi merecida e contra um adversário que levava vantagem por ter a mesma base que foi sensação da Copa de 2014, enquanto os comandados de Dunga juntam os cacos da pior derrota da história do futebol do país.

Toda análise que ressalte o domínio verde e amarelo em campo, porém, não pode dispensar uma contextualização mais profunda sobre a estrutura precária do futebol brasileiro, tão discutida pelo Bom Senso F.C. O grupo de jogadores que remam contra a corrente da CBF questiona, por exemplo, o poder das federações estaduais, que com um sistema viciado de eleições, mantêm presidentes por décadas, além do esdrúxulo calendário, com tantas datas desnecessárias que mais servem para atender interesses políticos do que os anseios do torcedor. Não fosse a paixão, o Brasileirão já teria sido trocado pela Premier League.

Mas futebol não é um produto qualquer, não se vira a casaca como se opta por trocar de empresa de telefonia, embora quem não entenda de bola pouco se importe com estas distinções.

O gol do triunfo contra a Colômbia foi de Neymar, de falta. Ponto para o jogador que merecia estar mais bem acompanhado no scratch canarinho. As vezes me pergunto: será que dá para falar em “safra ruim” em um país de 200 milhões de habitantes, com tanta gente que pratica futebol? A falta de talento é fruto de um cenário corruptivo, com agentes Fifa com status de artista, transferências duvidosas para ligas longínquas e falta de esmero em peneirar e lapidar talentos, além de uma mentalidade retrógrada, de que por exemplo o primeiro volante não tem obrigação de ter um bom passe, o que faz a Seleção ter dificuldade para sair jogando com poucas opções no meio e um Luiz Gustavo limitado ao seu papel de marcador. A sede por resultados prejudica o trabalho das diretorias, sedentas por vitórias imediatas, e sepulta trabalhos de longo prazo como o do Palmeiras com o técnico argentino Ricardo Gareca, demitido nesta semana. Ainda que vença a Copa América, a Copa das Confederações e até a Copa do Mundo de 2018, o Brasil necessita de gols fora do campo, pelo bem do nosso futebol. 

A derrota para a Alemanha não foi um acidente, embora aquela equipe de Scolari, com todos os seus defeitos, não era mais frágil que Argélia e Gana. A campanha da atual campeã mundial foi irregular, com três empates no tempo normal, duas vitórias pelo placar mínimo e duas goleadas. O Brasil não poderia ser presa fácil, mas por muito tempo, a Seleção era como uma ilha de prosperidade em um mar de turbulência que historicamente é o Brasileirão e a vida dos clubes do país. Até hoje se discute, por exemplo, quem foi o campeão brasileiro de 1987, assim como a justiça na distribuição das cotas de televisão. Essas questões, enquanto não forem resolvidas, tornam a liga do país desinteressante para quem não torce por um clube do certame.

ESPN Brasil - 1 x 0 – ESPN Colômbia
 
Programa "Balón Dividido", da ESPN colombiana I Imagem: Reprodução

Nessa primeira semana morando no Chile, tenho assistido muitos canais de esporte, e alguns deles reservam quadros específicos para cada país do continente, como a ESPN, que tem os programas Balón Dividido, para colombianos, e Simplemente Fútbol, para argentinos. Diferente da ESPN Brasil, os comentaristas mais parecem torcedores com paletó.
 
A repórter colombiana, antes de entrevistar Falcao Garcia na saída da equipe do estádio de Miami, chegou a agradecer ao jogador por seu desempenho pela seleção e ressaltou a falta que ele fez no mundial, antes de fazer uma pergunta chapa branca sobre sua ida ao Manchester United. Os três comentaristas insistiam na ideia de que não era preciso se preocupar com a derrota para o Brasil porque se tratava apenas de um amistoso e que apoiarão “Los Cafeteros” na vitória e na derrota. São nessas horas que eu sinto falta de um Mauro Cezar Pereira. Não é possível que as ESPN colombiana e argentina sejam tão diferentes da brasileira, que se destaca no país justamente pela independência.

Procurei no site da ESPN Brasil e só vi uma coluna opinativa sobre o jogo desta sexta-feira (5). Foi de André Rocha, que embora não apareça na TV, tem no blog “Olho Tático” uma ferramenta muito acessada pelos apreciadores do bom jornalismo. O “complexo de vira-lata” não é tão simples de ser combatido, principalmente em um momento turbulento que vive o país, com as eleições pegando fogo e com a auto-estima do brasileiro fragilizada pelos 7 a 1, depois de tanta aproximação entre povo e jogadores. Muita gente contrária à realização do mundial no país abraçou os comandados de Scolari. Mas no quesito jornalismo esportivo, ou mais estritamente, no quesito ESPN, posso dizer que o Brasil vence ao menos os países vizinhos.

Basquete
 
Seleção Brasileira de Basquete I Foto: Getty Images

Neste domingo (7), às 17h (de Brasília), outra Seleção Brasileira vai precisar muito de seu apoio. Longe de alcançar a popularidade do futebol, o basquete do país passa por reformulação desde 2010, quando o treinador argentino Ruben Magnano, campeão com a Argentina na Olimpíada de 2004, assumiu a equipe verde e amarela para fortalecê-la e torná-la competitiva até os Jogos Olímpicos de 2016, que acontecerão no Rio de Janeiro. A adversária das oitavas da Copa do Mundo, que é realizada na Espanha, é nada menos que... a Argentina, nossa algoz na modalidade. Como estou distante e não tenho compromissos jornalísticos, envio daqui da Patagônia toda a energia para os meninos de Magnano. Os brasileiros, é claro.
 
Bahia
 
Bahia eliminou o Internacional da Copa Sul-Americana I Foto: Ricardo Duarte/Ag. RBS/Folhapress

O Esquadrão de Aço conseguiu classificação para a fase internacional da Copa Sul-Americana. Enfrentará o vencedor de Universitario Sucre, da Bolívia, ou Universidad César Vallejo, do Perú. A mudança da tabela fez o Bahia evitar o confronto com Huachipato do Chile ou Universidad de Quito do Equador, equipes mais fortes. Então vai ser fácil para o Bahia, certo? Errado, pelo menos para um comentarista da Fox Sports (parecia ser argentino). Ao analisar o triunfo do tricolor sobre o Colorado, disse “o Bahia é um time pequeno como a Ponte Preta. Talvez não tão pequeno como a Ponte Preta, pelo menos nos últimos tempos”. Sou torcedor do Bahia e não vejo demérito em reconhecer o tamanho do clube.

É um time pequeno sim. Reconhecer isso ajuda, por exemplo, a se situar no cenário atual. Estar na zona de rebaixamento não é uma tragédia para um clube com menos bala na agulha que os grandes, tampouco motivo para o torcedor abandonar o time. O torcedor do Bahia é resultadista, não reconhece o momento histórico com a democratização e está cada vez mais parecido com o do Vitória nesse quesito, que anteriormente diferenciava os torcedores da dupla Ba-Vi. Na Inglaterra, vi jogos de times de terceira divisão com o estádio lotado, e nem valia acesso. Quando se gosta, se compreende. O torcedor do Bahia sofre muito porque a paixão não o deixa enxergar o seu verdadeiro tamanho. Boa sorte para Bahia e Vitória na Copa Sul-Americana. Estarei acompanhando os jogos na Fox latina.