Neymar realiza sonho de criança sul-africana de conhecer jogadores brasileiros l Foto: Agência AP |
A inocência, não necessariamente, se opõe à sabedoria. Tampouco a sabedoria está necessariamente ligada às primaveras vividas. Fui incumbido dessa reflexão após uma tarde sendo “tio” de três garotinhos chilenos que, ao constatarem minha nacionalidade, ressaltaram de imediato o talento dos jogadores brasileiro ao invés de mencionarem os 7 a 1 sofridos pela Seleção no mundial, ou até mesmo os problemas sociais do Brasil, como geralmente citam os que “não sabem de nada”.
Ao passear pelas ruas e observar o baba (ou “pichanga”, como se chamam as partidas de futebol informais aqui no Chile), perguntei se poderia brincar também. Nada mal para uma tarde de frio em Puerto Natales, cidade em que estou vivendo há duas semanas. Meu sotaque denuncia minha “estrangeirice” e naturalmente a pergunta pelo meu país de origem veio antes de a bola rolar. “Brasil”, eu disse, para em seguida ouvir um “ohhhhhhh, você conhece Neymar?”. Sim, eu conheço Neymar, assim como Marcelo, Oscar, Willian e David Luiz. Todos eles me representam, mesmo nos tempos de cólera em que o futebol historicamente sempre resistiu.
Para essas crianças, aparentemente na faixa de 10 a 12 anos, os cabeludos da Seleção Brasileira eram os maiores expoentes de uma nação de 200 milhões. Sem dúvida, responsáveis pela boa imagem que muita gente do mundo todo tem de nossa pátria amada, coisa que nenhuma goleada da Alemanha irá nos tirar. Para esses apaixonados por futebol, Neymar e companhia não são culpados pelas mazelas do país. E de fato, não são mesmo. Sabem de tudo essas crianças, que não foram contaminadas pela ingenuidade (ou seria maldade?) dos partidaristas brasileiros, que com insultos de “reaça” ou “petralha” aos adversários, acham que lutam por um país melhor. Esses, como diria Cumpadi Washington, “não sabem de nada”.
Bom senso e cordialidade são artigos em extinção nas redes sociais nos meses que antecedem uma eleição. Acusações de conspiração pela morte de candidato, informações falsas, editadas em paint e sem fonte sendo compartilhadas por milhares (ou até milhões) de usuários no Facebook e a banalização da violência com memes insinuativos fazem o futebol, um dos maiores expoentes na formação da cultura brasileira do Século XX, ser tratado como pão e circo. Coisa de “povo”, de gente imatura, de vagabundo, de parasita do governo que vive de “bolsa esmola”. Porque para transparecer seriedade e credibilidade, a ideia é agredir uma senhora que lutou pela liberdade durante a ditadura militar, que foi torturada e que chegou à presidência de forma democrática (por mais questionável que seja a democracia do país, como vou citar no parágrafo abaixo). Ou, do lado oposto, fazer chacota com o suposto consumo de drogas de dois candidatos, inclusive com trocadilho entre o sobrenome de um deles e a cocaína, enquanto estas mesmas pessoas se dizem abertas a debater a descriminalização das drogas e o tratamento dado pelo Estado aos dependentes químicos.
Pior do que o mal gosto dos memes é que muita gente os leva a sério |
Após as manifestações de junho de 2013, escrevi em uma postagem no blog que eu prefiro um político que não inspire confiança sendo pressionado pela população a um político honesto na zona de conforto. O mesmo vale para as eleições de 2014: independentemente de quem ganhe, é a pressão popular que dará as diretrizes. Político não vive sem voto, principalmente em um modelo em que a imagem e as palavras fáceis valem mais do que o rompimento com heranças seculares e implementação de projetos de longo prazo, que durem mais do que quatro anos. Afinal, quem é escolhido pelo voto popular precisa mostrar serviço, e não dá para ser marqueteiro se seu adversário político conclui seu projeto. Nesse ponto, a democracia brasileira é frágil. O dom da oratória é mais precioso do que o conhecimento técnico. O carisma vale mais do que as ideias.
Uma população conservadora que exige implementação da pena de morte, redução da maioridade penal e maior rigor da polícia militar, infelizmente, terá seus desejos realizados por quem quer que seja eleito, se a tendência for a expansão dessas ideias. Sem reforma política e sem um modelo com financiamento público de campanha, os mesmos grupos (bancos, empresas de construção civil...) interessados em eleger seus líderes devem manter a injeção de dinheiro nos seus candidatos “favoritos” e pautarão os programas de governo, que precisam de “aval” da população.
O autoritarismo cresce a partir do imediatismo, da sede de fazer justiça com as próprias mãos usando como pretexto a negligência do estado, mas sem combater o problema na raiz e sem medir as consequências que essas medidas acarretarão. O olho por olho, dente por dente, é alimentado diariamente pela TV aberta e rádio, que são os veículos de comunicação muito populares e pouco educativos. A violência policial mata muito, principalmente jovens negros e da periferia, muito diferentes das apresentadoras loiras de telejornal que legitimam linchamentos ou de parlamentares brancos que tratam um livro escrito há mais de mil anos como constituição ( a mais recente do Brasil data de 1988).
O Brasil, com todos os seus defeitos, provoca brilho nos olhos de muitos estrangeiros, inclusive muitos inocentes como as crianças chilenas que conheci. Esse olhar positivo não aliena e não machuca. Tampouco cura feridas. Mas pode ajudar a compreender como se chegou aos dias de hoje, e o que pode ser feito por dias melhores. Aceitar primeiro. Agir depois. A meditação ensina muito sobre ter “timing” e não agir por impulso. E o futebol, como todos os esportes, ensinam valores lindos. Ao menos nos gramados a regra é clara e Neymar perdoa Zúñiga, que não cometeu nenhum crime, com um abraço. O ódio, quando se infiltra no futebol, geralmente vêm das arquibancadas, como as ameaças ao lateral colombiano nas redes sociais, talvez inspirados pela onda de “linchamento”. Por um país com mais Neymares e menos usuários raivosos e inconsequentes no Facebook.
Nenhum comentário:
Postar um comentário