Há 'lógicas' que devem ser quebradas todos os dias, e os responsáveis pela nova ordem são os resultados. É incrível como os 5 títulos mundiais vieram depois de desconfianças ameaçadoras: tínhamos o estigma de 'amarelarmos com a pressão', especialmente pela perda do título dentro de casa em 1950, onde os jogadores negros foram crucificados e dessas teses se criou um 'machismo patriótico', que em 1954 fez os jogadores perderem a cabeça e partir para as vias de fato com os húngaros, esquecendo o futebol e caindo na porrada.
Sob o silêncio de um Maracanã com quase 200 mil pessoas, o Uruguai se sagra bi-campeão mundial
Fomos para a Suécia desacreditados, até nossa autoconfiança surgir no decorrer da competição, com os nomes de Garrincha e Pelé, que não começaram a copa no time titular, entre alguns motivos, por serem rotulados de 'burro, com inteligência insuficiente para a prática desse esporte' (Garrincha) e 'agressivo, de pavio curto e incapaz de lidar com as próprias emoções' (Pelé) pelos psicólogos da então CBD. Foram esses 2 e mais uma safra maravilhosa comandada por Didi (o melhor daquela copa) que em pleno dia de superstição amedrontadora, em que tivemos de estrear o uniforme reserva (a camisa azul é uma homenagem a Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil) deram o primeiro título para a tão apaixonada nação por futebol, que detém até hoje o recorde de ter ganhado títulos fora de seu continente (mais tarde manteria a escrita vencendo em 2002 na Ásia). Os suecos, que usavam amarelo, não conseguiram nos empurrar uma 'camisa perdedora'.
Lágrimas, agora de alegria, do garotinho de 17 anos que é considerado até hoje o melhor jogador de futebol de todos tempos
Em 1962, a base da seleção era a mesma, com exceção do capitão Bellini que fora trocado por Mauro Ramos de Oliveira (que iria erguer a taça no Chile). 4 anos mais velha, viu seu título ficar mais distante ao perder Pelé pelo resto da copa, ao se contundir no 2º jogo. A crise dessa vez veio durante a competição, e sem o craque do Santos, a estrela solitária de Garrincha ofuscou todas as luzes do torneio, sendo considerado por muitos, junto com Maradona em 86, 'os únicos homens a ganharem uma copa sozinho pelos seus países'.
Em 1966, Pelé apanhou muito, fomos eliminados na 1ª fase, sofremos a pior derrota até então (4 a 2 da Hungria) e para completar, o rei do futebol afirmou que não iria mais participar de copas do mundo, por se considerar 'azarado' nessa competição (afinal, em 2 das 3 copas saíra contundido). A Inglaterra vinha com um time ainda melhor que o campeão 4 anos antes (e estava na chave do Brasil), e o técnico João Saldanha, que classificou nosso país para o torneio, fora demitido pelo presidente da República Médici 1 mês antes do começo da competição por desculpas esfarrapadas, nas quais a única verdade era o fato de ser socialista num país ditatorial. Houve até boato que Pelé havia ficado cego, e aquela copa estava fadada ao nosso fracasso. Estava, pois o que aconteceu no México foi de uma magia tal que a seleção de 1970 é considerada por muitos a melhor equipe de futebol que já existiu em todos os tempos.
Depois da geração de Rivelino, Tostão e Pelé, amarguramos 24 anos sem chegar numa final de copa, sendo que em 1978 fomos 3º colocados invictos e em 1982 o futebol encantador de Zico e Falcão parou na sem graça Itália. Para chegar à copa de 1994, sofremos a primeira derrota na história das eliminatórias, para a Bolívia, com direito a falha histórica do grande goleiro Taffarel. Carlos Alberto Parreira, com experiência em 3 copas do mundo até então (sendo auxiliar de Zagallo em 70 e treinador do Kuwait em 82 e dos Emirados Árabes em 90) fora chamado de burro em estádios lotados, a seleção canarinha corria o risco de não marcar presença pela primeira vez na copa do mundo, até no jogo decisivo, com um Maracanã lotado no jogo contra o Uruguai (que traz péssimas recordações nesse estádio), Romário fora chamado e confirmamos vaga para o torneio que se realizaria no ano seguinte nos Estados Unidos.
Com o tradicional esquema 4-4-2 (em que 2 zagueiros, 2 laterais, 2 volantes, 2 meias e 2 atacantes), um estilo taxado por muitos de 'futebol europeizado' (devido à retranca que equipes do velho continente fazem para encarar o talento sul-americano) e resultados pouco convincentes, chegamos à final depois de 24 anos, contra o mesmo adversário de 70, a Itália, e com o sofrimento da perda do maior ícone da auto-estima nacional: Ayrton Senna, que vinha nos orgulhando nas pistas muito mais que a seleção de futebol nos gramados. Com 5 vitórias em 6 jogos até então (sendo que apenas 2 delas por mais de 1 gol de diferença), aos trancos e barrancos enfrentamos outra equipe em crise: A Itália vinha com 1 derrota, 1 empate e 4 vitórias por 1 gol de diferença, tendo perdido para a surpreendente Irlanda na estréia e por uma combinação de resultados se classificara em 3º lugar com o mesmo número de pontos do 4º.
A Itália sofre da mesma crença que no Brasil: há que só se chega longe numa copa através de crise na preparação, não é a toa que em 1982 a 'Azurra' quase fica fora da 1ª fase, o país sofria em credibilidade na liga nacional devido a problemas de corrupção e o resultado final daquele ano fora um título após 44 anos!
Romário e Baggio: dois craques no jogo que daria para uma das seleções o inédito tetra-campeonato. Ambas as equipes chegaram muito além do que todos imaginavam, e um duelo tão equilibrado resultou na primeira disputa por pênaltis na história das finas de copa do mundo. Com uma cobrança desperdiçada pela estrela maior da equipe azul, a amarelinha brasileira pôde contar com a tão sonhada 4ª estrela.
de 1970 a 94: depois de 6 copas, o Brasil se re-encontrou com uma final, no período mais longo de sofrimento da nossa seleção
O caminho para o título de 2002 começou após o encerramento da final de 1998, em que sofremos a maior goleada em copas do mundo (um vergonhoso 3 a 0 para a França). Teses sobre a derrota não faltam: conspirações envolvendo os patrocinadores, convulsão de Ronaldo, brigas internas... Tudo isso abalaram profundamente a confiança dos brasileiros pela seleção, numa final que tinha tudo para ser mágica: o duelo entre os atuais campeões contra os donos da casa (fato inédito até hoje).
Sofremos, fizemos piadas sobre nós mesmos, nos desesperamos, não achávamos luz no fim do túnel: CPI do futebol e derrota nas olimpíadas contra Camarões em 2000, desclassificação catastrófica contra Honduras na copa América e classificação apertada para a copa em 2001. O país que havia perdido apenas um jogo em eliminatórias perdeu 6 vezes e empatou outras 3, em 18 jogos, para carimbar o passaporte para a Ásia: vencer apenas metade de seus jogos sem um time base (pois dezenas de jogadores participaram da campanha) era motivo para se buscar um redentor, que era o mesmo da última conquista: Romário. Luxemburgo o havia chamado e por algumas rodadas na metade das eliminatórias o baixinho fora artilheiro jogando apenas 2 jogos! Com a saída de Luxemburgo, o comando de Leão fora marcado por uma 'renovação', em que jogadores pouco lembrados hoje defenderam nossa camisa na copa das Confederações em 2001, como Carlos Miguel, Evanílson e Leomar. Os tropeços para França e Austrália custaram seu cargo, e para seu lugar veio Felipão, que convocara Romário apenas uma única vez e, devido a uma mágoa com o baixinho (em que este pedira dispensa da seleção para uma suposta turnê do Vasco ao exterior, que não aconteceu), mesmo com todo o Brasil pedindo o nome do craque do Vasco, o comandante bigodudo batia o pé firme com perseverança e assumia a responsabilidade de não chamar o nome que 4 anos antes era, para alguns, o que faltava naquela trágica final de copa contra a França.
Ganhamos da Turquia com a ajuda do juiz (que marcou um pênalti numa falta fora da área) e derrotamos com facilidade as frágeis China e Costa Rica. Sofremos contra a Bélgica e mais uma vez fomos beneficiados pela arbitragem, que anulara o gol legítimo do belga Wilmots. No nosso primeiro grande desafio, contra a respeitada Inglaterra, houve pessoas que não estavam dispostas a acordar 3 e meia da manhã para assistir um suposto fracasso, e essas que tiveram tal desconfiança perderam uma das melhores partidas da copa, num triunfo de virada com direito a gol histórico de Ronaldinho gaúcho. Na semifinal, encontramos novamente a Turquia, o que prova que nossos adversários de estréia não eram fracos como imaginávamos, afinal, chegara muito longe e prometendo vingança. E nesse dia, mesmo com virilha estourada, Ronaldo marcara de biquinho seu 6º gol, assumindo a artilharia isolada. Na final, o confronto tão sonhado há tantos anos: as duas maiores potências do futebol (com 6 finais cada até ali) que nunca haviam se enfrentado até então iriam decidir o título em 'campo neutro' (ou seja, em outro continente). Nenhuma das duas equipes esperava ir tão longe, e sem dúvida, Ronaldo, Rivaldo e Klose não esperavam serem os goleadores de um torneio com Verón, Henry, e Figo (melhor jogador do ano de 2001), que viviam momentos muito melhores (e ambos caíram na 1ª fase respectivamente, Argentina, França e Portugal).
os 2 gols de Ronaldo selaram o título que de alguma forma amenizara a desconfiança sentida pelos brasileiros pelo seu futebol. Artilheiro com 8 gols e vindo de séria contusão que quase lhe tirara do futebol, para alguns, ele era apenas um ex-jogador, mas para Felipão, era a promessa de título que virou realidade.
Ronaldo: entre contusões e gols, a bonita história de superação que vai do abismo à apoteose, das cirurgias ao pentacampeonato.
Em 2006 chegamos como favoritos, sem crises e com muita festa, e perdemos para o então carrasco França, sem jogar com garra e com as laterais do campo com idade média acima de 30 anos (setores do campo onde se precisa de velocidade e gás, ou seja, juventude), Ronaldo, Adriano e Ronaldinho acima do peso e a insistência de Parreira em não colocar o brilhante meia Juninho Pernambucano no time titular desde o início, os atletas nem se quer voltaram ao Brasil imediatamente: muitos continuaram pela Europa por um bom tempo (já que por lá jogavam) sem visitar sua terra Natal, que tanto hostilizava a equipe.
Sinto que em 2010 estamos num misto de desconfiança e esperança: ao mesmo tempo em que Dunga é chamado de 'burro' em côro pelos estádios, damos crédito a Kaka, Luís Fabiano e Julio César, pelas boas atuações. A defesa foi o ponto forte em 2006, e provavelmente se manterá forte em 2010, agora com Lúcio como capitão. Os resultados nas eliminatórias não assustam e não animam: estamos confortáveis na 3ª colocação e 'apenas' 1 derrota (para o líder Paraguai), embora não marcamos gols dentro de casa há mais de 1ano (foram 3 empates sem gols em 2008). Vencemos amistosos contra Portugal, Itália e Suécia, ganhamos a copa América, e teremos a 'prova de fogo' na copa das confederações, que irão ocorrer no meio do ano na África do sul (mesma sede da copa mundo, ano que vem). Que lutemos pelo favoritismo e confirmemos em campo porque merecemos ganhar, para quebrar de vez esse paradigma que 'para vencer tem que sofrer'.
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Há 2 dias
2 comentários:
your blog is very good......
Oi, Lucas! Mais uma vez aqui. Gostei do seu texto. Me parece que o futebol brasileiro reflete o que o Brasil é. Um país/povo que vive, muitas vezes, com os dois pés na lama, leia-se crise, mas na hora H dá-se um jeitinho e tudo fica muito bem outra vez. Ainda por cima levamos o título de povo que sabe se virar, tirar proveito das intempéries ou ainda que tem jogo de cintura (que cintura!). O futebol brasileiro não podia ser diferente. Todos sabem dos esquemas viciados, das negociatas, dos devios de dinheiro, mas somos pentacampeões. Tudo bem! Nóis sofre mas nóis goza, né mermo?
Li também seu post TAPANDO O SOL COM A PENEIRA (não comentei lá pra comentar aqui tudo junto)e gostei bastante. Estamos a viver uma época de negação da vida. Sim, ficar doente, velho, careca, sentir dor, ter rugas, péssimo humor, ter preguiça, chorar, gozar, sorrir, ser ridículo, tudo isso faz parte da vida. Mas temos que ser sempre perfeitos, inteligentes, bonitos, bem educados e insuportavelmente assépticos (arre égua! onde vamos parar?!).Isso me lembrou um poema do Fernando Pessoa que reproduzo abaixo pra você. Um abraço e até a próxima.
POEMA EM LINHA RETA
Fernando Pessoa como Álvaro de Campos)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
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