quarta-feira, 18 de março de 2009

A essência dos lugares

O que são lugares, se não pedaços de terras que em conjunto podem rotular cidades, países e continentes? Somos fruto da essência dessas terras, mesmo sabendo que sua identidade tem uma ligação muito mais forte que geográfica, tendo a raiz cultural como fruto de sua história? Sem pesquisar muito sobre o assunto e investigando a mim mesmo acerca de meus conceitos, vou refletir sobre o que é o que, e se esse o que pode ser algo que eu não tenha pensado antes;
Quem é você, como você está registrado e porque o estado te controla? Você escolheu aonde nasceu? Gostaria de mudar, pois não acha a sua terra a sua cara? Ja pensou em pesquisar mais sobre a legislação de outros países e ver se essas se adequam mais a seu jeito de ser, respeitando as suas liberdades? Como pode a lei interferir na cultura, e vice-versa?

Em primeiro lugar qual a definição de município? Diria que para ser autônomo, pelo menos nas leis brasileiras, é preciso haver uma prefeitura e uma câmera de vereadores, e dentro delas, políticos que cuidarão da sua administração e projetos de leis. Lógico que uma cidade é feita de pessoas, então é essencial feiras de comidas e roupas, tribunal para julgamentos, delegacia para infratores, hospital e escolas, além de um comércio que sustente seus moradores, e o consumo pode variar entre venda de frutas e verduras, extraídas da própria horta, há peixes tirados do mar e artesanatos decorativos. Dentro de um município podem até haver regiões em busca de autonomia (digamos que um bairro ou vila queira ser independente), mas para isso, é preciso que sua emancipação seja reconhecida pelo seu estado (província) e que este a partir disso distribua porcentagem da verba de seus contribuintes para as despesas públicas, a exemplo da educação e saúde. Municípios nascem a toda hora, seja fruto de emancipação ou de desmatamento de área preservada, a exemplo de Brasília, construída na região do Cerrado onde antes não havia civilização. Também crescem, seja em população ou em área, quando áreas próximas são 'desbravadas', a exemplo da Mata Atlântica de Salvador que vem perdendo seu espaço.

Alphaville x Alphavela: o maior contraste de Salvador pode ser visto na Avenida Parelela, onde um condomínio de luxo bem projetado é ligado pela mesma via do Bairro da paz (antigo bairro das Malvinas), um conjunto de residências esquecidas pelos governantes. Ricos e pobres 'ajudaram e ajudam' a desmatar boa parte da mata Atlântica, que com o crescimento desenfreado da cidade tende a sumir, enquanto os gases poluentes aumentarão, necessitando de novas árvores.

Num município há a área urbana (chamada de cidade) e área rural (chamada de campo). Na cidade se concentram o maior número de pessoas, e num território muitas vezes menos que no campo, com suas enormes fazendas e terras tantas vezes improdutivas e esquecidas. Há áreas urbanas que já pertenceram a um município e hoje pertencem a outro, a exemplo de parte de Santos que pertenceu a Cubatão (no estado de São Paulo), e há municípios que já trocaram de nome (como Palmira, em Minas Gerais, que passou a se chamar Santos Dumont em homenagem ao seu conterrâneo).
De origem camponesa e sem terras para se apropriar, o movimento dos sem Terra busca justiça por uma causa que ja devia ter acontecido há muito tempo: a reforma agrária, onde a destribuição de terras faria a zona rural abrigar mais pessoas que, sem esperança de crescimento, muitas vezes rumam para grandes centros urbanos e acabam se tornando sem tetos

Em segundo lugar, o que são países? Há mais que traços geográficos que expliquem a romântica palavra 'nação'. Uma nação pode não ter onde morar, mas para sempre irá buscar o seu lugar. Assim foi com os judeus, que já saíram do Oriente Médio em direção ao Egito, e, depois de retornarem, foram expulsos, ficando quase dois mil anos longe de seu território, até reconquistarem com certa brutalidade depois de tanto tempo, com ajuda de uma nação que 'nem existia' antes da sua dispersão pelo mundo. Essa nação, chamada Estados Unidos, fora fundada por fugitivos de uma guerra religiosa em outra nação, a Inglaterra.

Inspirados nas idéias iluministas, os americanos ganharam de presente pela independência esta estátua, construída por um francês (país rival de seu antigo colonizador, a Inglaterra)

Gerações de descendentes de ingleses se passaram no novo continente e por lá construíram sua vida e uma nova forma de ver o mundo, incompatíveis com a visão do outro lado do oceano. Tanto tempo se passou que na América não haviam mais 'ingleses', e sim americanos, que embora não descendessem dos índios, se tornaram um novo povo branco em busca de sua autonomia. Inspirados no iluminismo, os Estados Unidos eram donos de lemas e ideologias pregadoras da liberdade, fato que se comprovou com a sua modernização e correntes econômicas que buscavam desconstruir o que os europeus tanto prezavam: a subserviência aos reis e rainhas, sendo o neoliberalismo uma maneira de dispensar intervenções que padronizassem a economia.


Um povo pode sair de seu país, mas continua sendo nação, e esses laços de afinidades são claros ao encontrar um conterrâneo no exterior e fazer comunidades de imigrantes a fim de resgatar e manter seus costumes. Territórios podem acabar, fenômenos naturais nos provam que a matéria tem prazo de validade, mas a história e seus registros, sejam em arquivos ou ensinamentos hereditários, apenas serão apagados quando as pessoas perderem a sobriedade, pararem de lutar e deixarem fenômenos como a globalização vencerem traços únicos que nos explicam como vimos parar aqui hoje.

A 'falta de luz' durante a idade média afetou a grande maioria das pessoas, mas ainda haviam livro de registros e alguns (pouquíssimos) preservadores da história, a exemplo do clero que, isolados em suas experiências, não se ocupavam com o que mais provocou escuridão nessa época: a luta constante pela sobrevivência, pois para haver cultura, primeiro é preciso haver vida, e a prioridade de todos é se manter vivo, e se for preciso de 'luta' para tal, uma vida de 'sobrevivência' ofuscará a sensibilidade de perceber coisas tão próximas, pois o perigo eminente estará mais perto ainda.

A República das Maldivas é um arquipélago com dias contados: o aquecimento global derreterá calotas que farão o nível dos mares subir, e com isso, suas ilhas desaparecerem. Desaparecerão ilhas que foram a casa de um povo por mais de mil anos, mas não creio que os maldivos também desaparecerão do mapa: o governo local faz o possível para retardar a inundação, com ajuda de algumas barragens que manterão certa distância entre o solo e o mar, e como longo prazo, há uma poupança do estado que será usado para compras de terras no exterior (provavelmente Sri Lanka, Índia ou Austrália, que são os países próximos), ou seja: as ilhas somem, mas a história desse povo continuará nos arquivos e na hereditariedade das histórias que se manterão.

Fiquei refletindo um tempo: uma compra de terras feitas por um país que quer construir um novo lar é muito diferente do que uma compra de terras feita por pessoas física ou jurídica, pois num caso comum, o proprietário de terras terá de se submeter às leis do estado em que se encontra o seu patrimônio, mas duvido muito que a Maldiva se submeterá a leis cingalesas, indianas ou australianas, e irá impor a sua constituição (elemento marcante na identidade de uma nação).

Em terceiro lugar, qual a definição de continente? Se for 'terras em que se encontram um grupo de países, o que diríamos de Rússia e Turquia, pertencentes a Europa e Ásia? E caso único no mundo: Istambul, que já teve outros 2 nomes (Bizâncio e Constantinopla), é o único município do mundo a pertencer a dois continentes (sendo o estreito de Bósforo a separação entre a parte européia e asiática). O 'velho mundo' está ligado em 3 continentes, sendo Europa, África e Ásia continentes irmãos (e quase parte da mesma massa homogênea): o estreito de Gibraltar separa Espanha e Marrocos, o Egito (África) vezes por outra briga por território com Israel (Ásia), que por sinal pertence à confederação de futebol européia (UEFA) devido à problemas com seus vizinhos. Há quem nem esteja no continente propriamente dito e pertença a um desses 3 blocos: as Ilhas do Reino Unido da Grã Bretanha faz parte da Europa, o Japão da Ásia e Madagascar da África.

Mais interessante é pensar em qual a maior ilha do mundo. Muitos apontariam a Austrália, que em teoria, não é ilha: é o continente Oceânico, já que a Oceania, além da parte continental representada pela terra dos Cangurus, tem diversos arquipélagos e ilhas de tamanhos 'respeitáveis' (como as duas que formam a Nova Zelândia).

A América é subdividida ideologicamente: América Latina e América Anglo-saxônica. Canadá e Estados Unidos, no seu 'isolamento cultural', pouco tem haver com mexicanos, cubanos, argentinos e brasileiros, o que mostra que cortes geográficos não mostram com fidelidade como as pessoas podem ser tão diferentes embora estejam tão perto.

Cada lugar tem sua essência, seu cheiro, seus frutos e seus preparos para a apreciação e digestão. Todo povo tem seus transgressores, mas de maneira geral, tem seus consensos, e todos transgridem algum consenso, embora alguns consensos o maior dos transgressores sigam, sem fugir de suas origens. Cada ambiente há uma energia, um clima, uma lembrança, uma história que te guiou até hoje, e é construindo o mundo a partir de hoje que construiremos nossas histórias e a história do mundo, tão rotulado por lugares, mas tão único na sua essência: a essência de guardar lembranças e respirar história.

Um comentário:

SB-SSA disse...

Esse seu post me fez lembrar um texto que escrevi sobre os estranhos estrangeiros. Vou postá-lo na segunda no salvador.