domingo, 15 de fevereiro de 2009

Use as suas armas

Antes de começar a reflexão que envolve o filme 'O último samurai', vale frizar que 'arma' está no sentido conotativo, logo, não são objetos que ameaçem a integridade física do próximo, e sim uma metáfora de como podemos ser felizes sendo nós mesmos num mundo onde as convenções tentam transformar todos os seres humanos em elementos com os mesmos caminhos, os mesmos objetivos e o mesmo vazio na alma.
Porque as projeções mais fortes são as de nascer, crescer, trabalhar e morrer? E ainda nos empregam o 'o importante é ser feliz', mas sem um conceito de felicidade tão definido, pois para boa parte dos seres humanos o dinheiro está entre as prioridades que ajudarão na construção da felicidade, e a felicidade é de uma complexidade tão grande que foge do conceito do universal para entrar no conceito do pessoal: cada um acha a sua felicidade da sua maneira, e se seguir ordens pensando que 'cumprindo as missões passadas' será realizado, fará o que a maioria das pessoas no mundo fazem: nascerá, 'crescerá', trabalhará e morrerá, e nada mais.


Eu gosto muito de cinema e das metáforas que os filmes trazem, algumas delas com significados só meus, em que talvez nem os diretores tenham pensado em interpretar de tal maneira, hehe. Interpretarei aqui Harry Potter, Senhor dos Anéis, Matrix, 1984 e outros tantos, mas a ‘bola da vez’ de hoje é ‘O último Samurai’, que na opinião de Richard Schickel (da revista TIME) é “Um filme que exige rendição à sua energia, à sua força cinematográfica, às suas interpretações e, acima de tudo, à sua visão romântica de um mundo perdido”. O que se perde, se luta para achar, e o ‘romantismo’ expresso na frase vem de uma mentalidade que busca melhorar o que quer que seja, mesmo que essa melhora pareça estar tão longe. No filme, os responsáveis pela busca são os Samurais.

Achar e buscar: verbos de quem não se conforma com a realidade, de uma realidade sombria e desgostosa. Devemos nós nos acostumarmos com a mediocridade? Para os samurais, a luta, independente de vitória ou derrota, sempre valia a pena, e mais importante que a vitória era o método utilizado na conquista, sem ferir princípios éticos, sem deixar de ser quem é, porque a vitória só vale a pena se o quesito ‘honra’ não se ferir. Os samurais não suportam a desonra, e por vezes se suicidam de vergonha, pois não conseguem viver com a humilhação de ferir seus princípios.
A palavra Samurai significa servir, e numa era em que o Japão buscava uma modernização que pouco beneficiaria seu povo e enriqueceria poucos, os Samurais eram a resistência contra a agressão a um país que por tantos anos foi feudal, e que por pressões puramente econômicas, buscava através de seus magnatas dar uma cara ocidental aos seus habitantes. Para pessoas como Omura (milionário japonês), era interessante acabar com qualquer foco de tradição que atrapalhasse nos rumos da modernização, logo, ele importou armas de última geração e militares americanos para treinar as tropas japonesas, formadas por camponeses que se quer tinham pegado numa arma de fogo e estavam despreparados para vencer uma guerra contra os Samurais, que usavam apenas suas armas tradicionais (como espadas e arcos), mas que tinham uma bravura assustadora. Já as tropas do exército japonês eram extremamente medrosas, e o sentido que vejo nisso é que quando você não acredita no seu objetivo, você tende a não se jogar de cabeça, e esses soldados eram simples mercenários contratados para essa missão (que feriam seus próprios interesses de comunidade), e os Samurais, lutavam por uma causa nobre: defender o seu estilo de vida, que era ameaçado de extinção e já durava milhares de anos.

Um americano no Japão

Nathan Algren (o personagem interpretado por Tom Cruise) é uma pessoa extremamente auto-destrutiva: capitão heróico da guerra civil, tanta miséria viu em seu trabalho que tomou desgosto pela vida, e deixou de acreditar em Deus (não que os ateus não tenham gosto pela vida, mas que nessa situação ele perdeu a crença pela falta de luz em seu coração), virou alcoolotra, tinha pesadelos frequentes (com imagens das pessoas que ele havia matado) e tinha nojo de si e das pessoas com quem andava, embora sua contradição era que ele continuava trabalhando com os mesmos, por dinheiro ia para as missões, embora sua vida estivesse sem rumo.

Algren foi contratado por Omura (milionário japonês) para treinar as tropas japonesas a exterminar os Samurais e assim, sem ‘essa barreira’, modernizar o Japão nos moldes ocidentais, ferindo sua essência e seu tempo (pois cada um tem seu tempo de enxergar determinadas concepções, e forçar a barra de um povo que não estava preparado para esse avanço e por interesses de poucos mostra o quão vilão era Omura).

Deus escreve certo por linhas tortas

Depois de alguns poucos treinos (insuficientes para preparar as tropas para guerrear), Omura ordenou que as tropas agissem contra os Samurais, pois estes atacaram uma ferrovia importante. Está certo que o exército tinha armas de fogo, mas seus soldados não sabiam a manejar e eram medrosos, e os samurais, com suas armas tradicionais, viviam há mais de mil anos guerreando, acostumados com batalhas. No confronto, os Samurais deram ‘uma surra’ no exército e ‘de lambuja’ seqüestraram Algren (Algren mostrou ser um guerreiro tão forte que Katsumoto- líder dos Samurais- preferiu seqüestra-lo para tentar aproveitar seu potencial, além de conhecer mais sobre o inimigo, o que não significa em converter-se para as outras técnicas, e sim conhece-las afim de saber como se portar nos ataques adversários).

Algren demora para se socializar e não tem como fugir da vila dos Samurais. Aos poucos, com algumas conversas, vai se abrindo, e o intercâmbio cultural o faz com o tempo se fascinar pelos Samurais e seu estilo de vida, cheio de luz, princípios, disciplina. Com tanta paz, sua espiritualidade se aflora, a presença de Deus se torna evidente em seu coração (não um Deus de religião, mas sim Deus como um algo maior, um algo pelo qual valha a pena viver). Ele nunca tinha passado tanto tempo num lugar depois que saiu da fazenda onde morava, aos 17 anos. Alguns hábitos o chocavam, como o suicídio por desonra (inclusive houve um habitante da Vila que sugeriu sua morte já que Algren estava envergonhado, mas Katsumoto alegou que não faz parte dos costumes ocidentais) ou a degolagem (cortar com uma espadada a cabeça de alguém, que ficava ajoelhado esperando pela morte- a desonra era suficiente para se pedir a morte, o que para muitos ocidentais pode significar fraqueza ou falta do costume de ‘dar a volta por cima’).

A tão sonhada luz que procuramos

Alguns costumes não eram tão chocantes, mas sim apenas diferentes: não se podia entrar com calçados dentro de casa e o homem não ajuda a mulher a carregar coisas para dentro de casa.
Ao chegar a primavera, Algren foi liberado para fazer o que quisesse (inclusive voltar para as tropas do exército japonês), mas a luz seduz, até por quem tanto tempo não a sentiu: é como se a ausência de luz sempre fizesse falta, mesmo o seu coração nunca tendo sido preenchido por ela, e então, Algren decide lutar a favor dos Samurais na guerra. O exército estava bem mais organizado após a volta de Algren, e a perseguição contra os samurais cada vez maior: o filho de Katsumoto chegou a ser abordado pela guarda imperial, que ameaçou cortar seu cabelo (para os Samurais, é uma grande humilhação que corte seu rabo de cavalo) e logo ele se colocou em posição de combate (e iria morrer, pois eram muitos contra ele), mas és que Algren passou um ensinamento que a pouco ele tinha aprendido que ajudou o filho de Katsumoto: renunciar ao orgulho, logo, seu cabelo foi cortado, mas antes isso do que ser morto e não poder batalhar depois.

Na época em que ficou na Vila, Algren esteve na casa da família do homem que ele havia matado. No início, os olhares de desconfiança a ele eram muitos, mas aos poucos, ambos foram se entrosando, e ao sair da Vila rumo a guerra, as crianças ficaram tristes, pois não bastasse a morte de seu pai, eles tinham muito medo de perder o novo amigo. As crianças tinham dificuldade para assimilar o estilo de vida dos guerreiros e as perdas que poderiam vir. Ao ser perguntado por um dos garotinhos ‘’porque você irá lutar’’ Algren respondeu ‘’porque eles vem destruir o que eu aprendi a amar’’.

Viver a vida a cada respiração

Em uma das passagens do filme Katsumoto revelou certa admiração pelo general americano que sacrificou sua tropa e tantas pessoas matou pela ‘glória’. A glória para Algren era um conceito saturado, mas para o líder dos samurais, morrer lutando é digno, e assim morreria se fosse preciso, se fosse o seu destino. Katsumoto acreditava que sendo samurai (e Samurai significa servir) estava a serviço do Imperador, que tinha enormes dificuldades para dizer não as propostas indecentes que visavam a ‘modernização japonesa’, e que mesmo pedindo conselho ao líder dos samurais, este dizia ‘meu senhor, você é quem decide, tu és o imperador, mas jamais esqueça do seu povo!’

Sempre vale a pena lutar!

Antes de qualquer iniciativa militar, tentou-se um consenso, ou melhor, tentou-se ouvir a voz do imperador. Katsumoto foi convidado a câmara para discutir os rumos do Japão, mas se recusou a se sentar porque só poderia entrar no debate se retirasse sua espada, que sempre a leva junto a roupa, e quandp pediu autorização ao imperador, este preferiu se omitir, com medo de contrariar qualquer lado. Katsumoto afirmou que se recusaria, já que aquela espada tanto defendeu esse país durante anos, e Omura afirmou que tudo aquilo era parte de um passado e agora, com leis, era proibido certos costumes tão fortes durante anos. Com a recusa, Katsumoto foi preso, e apenas saiu do cárcere com ajuda de Algren. Quando Katsumoto se sentiu envergonhado (por achar que envergonhou o nome de toda uma geração de samurais que o antecederam) por ver os Samurais aos poucos sendo extintos, a ponto de querer se matar, Algren contestou ‘Vai se matar por vergonha? Vergonha de uma vida de serviço, de disciplina?’ Katsumoto retrucou ‘O estilo de vida dos Samurais não é mais necessário’ e Algren novamente contestou ‘Necessário? O que pode ser mais necessário do que isso?’ Katsumoto: ‘Eu irei morrer, pela minha espada ou pela do inimigo’ e Algren finalizou ‘Então, que seja pela do inimigo, e lutaremos juntos pelo que acreditamos’. Eu achei muito bonito esse diálogo, pois muitas vezes não nos valorizamos e achamos que somos responsáveis por todo nosso destino, e quando as coisas acontecem de uma maneira que não queremos, nos sentimos culpados, e na verdade, vencer ou perder não está em nossas mãos, mas a luta sim, é a nossa meta certa sempre, e as vezes precisamos ouvir do outro o quanto temos valor e o quanto fizemos bem nossas ações.

A última batalha

Sem negociações e sem as palavras do imperador, que não conseguia se impor, a solução teve de ser novamente a batalha armada. Algren ganhou de presente a armadura do homem que ele havia matado, e do lado da família do homem da armadura, não havia rancor ou mágoa, e sim muito amor, saudade e medo de o perder. Na espada de Algren estava escrito ‘Pertenço ao guerreiro em que o antigo se aliou ao novo’. A estratégia dos Samurais era atrair o exército para perto, onde as armas de fogo estariam perto demais para serem combatidas de igual para igual com arcos e espadas. E realmente foi o que aconteceu: os militares tiveram pressa para decidir a batalha logo: ‘’Ataque total!’’, ordenou um comandante. As estratégias de guerra são fascinantes, muitos artifícios fantásticos, chegadas de surpresa de outros guerreiros, mas aos poucos os samurais foram se desimando, e mesmo sobrando poucos, os poucos que sobravam iam com garra partir pra cima, para espanto de alguns membros do exército, que falaram frases como ‘’O filho da mãe acha que pode vencer?’’, ‘’Ele vai continuar?’’, ‘’Ele foi derrotado, deveria assumir a sua vergonha!’’. Já no final, com uma covarde arma que disparava muitos tiros por segundo, um dos comandantes do exército sentiu nojo de seu trabalho, chorou e ordenou para que parassem, e todos os militares, em sinal de respeito a garra dos Samurais, fizeram reverência aos nobres guerreiros, que lutaram até o fim, tendo sobrado apenas um: Algren. Katsumoto, já muito ferido, pediu para Algren ‘’Você já recuperou a sua honra, então deixe eu morrer com a minha’’ e com a ajuda do americano, o líder dos samurais se matou (a honra de Algren tanto se recuperou que ele não tinha mais pesadelos- Katsumoto tinha a tese de que quem tinha pesadelos é porque tinha muita culpa e arrependimento, e de fato Algren matou muita gente por uma causa que não era a sua). Quando Katsumoto morreu, ele olhou para as flores, e disse ''São todas perfeitas!'' (em uma passagem do filme, ainda na vila, Katsumoto afirmou que era muito difícil encontrar uma flor perfeita, e caso a procure e não se ache, não será uma vida perdida- o que de metáfora saiu do seu comentário é tão grandioso que dá margens a muitas interpretações).

A hora da verdade

Passada a última batalha, era a hora de o imperador japonês assinar o tratado responsável pela modernização do Japão (já que não havia mais o empecilho dos Samurais). Na hora H, Algren chegou, com a espada que foi usada por Katsumoto, e a entregou, falando ainda ‘’Ele pediu para você jamais esquecer do seu povo”. Sensibilizado, o imperador sabia que esse era o último momento para não tomar uma atitude que tanto iria ferir o seu povo, e mesmo demorando muito, e com tantos Samurais que morreram por essa causa (que para eles foi nobre), ele tomou a decisão que por tanto tempo lutaram os Samurais, e penso que cada um tem seu tempo, portanto, não dá para julgá-lo a mal, o importante é que o desfecho foi sensacional, com o Imperador sendo firme ao recusar as negociações, que irritaram o embaixador dos EUA e Omura, que por sinal nunca dividiu ouro com as massas (inclusive o Imperador virou meu ídolo ao contestar ‘Omura, não se importará de eu dividir todos os seus bens com o povo, e se sua vergonha for muito grande –mostrou-lhe a espada- sinta-e a vontade para tirar sua própria vida).

A resistência venceu!

“Nunca devemos esquecer quem somos e de onde vinhemos’’, falou sabiamente o imperador. A ‘‘nação de prostitutas que se vendem barato’’ (como havia classificado Katsumoto anteriormente) foi forte, e não foram poucos os que lutaram: foi uma vitória popular! O imperador perguntou para Algren como Katsumoto morreu, e Algren contestou “primeiro vou te contar como ele viveu”. Viver e lutar, pelo bem sonhar! A luta dos samurais não foi em vão, e se hoje eles não existem, o filme ilustra o como eles são importantes na proteção da essência de um povo que corria risco de sofrer danos irreparáveis a sua identidade, mas que com muita garra, poderia até perder, mas não há vitória sem luta. Para finalizar toda essa reflexão sobre esse maravilhoso filme, duas frases que não constam nele, mas ilustram um pouco de seu pensamento:

“A justiça da causa determina o direito da luta. Sou um rebelde e a minha causa é a liberdade." - Yasser Arafat

"Um povo cuja fé se petrificou, é um povo cuja liberdade se perdeu." Rui
Barbosa



"É muito difícil achar uma flor perfeita, e procurar por uma vida inteira jamais será perda de tempo."- Katsumoto, líder dos samurais

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