Quinta-feira, 22 de Março de 2007
Nasci em Salvador, uma cidade populosa e antiga para os padrões americanos. Apesar disso, sinto que preciso conhecer melhor esta cidade e ir além da residência dos atuais conhecidos e centros de entretenimento burgueses. Mas em menos de dois anos eu senti meu mundo virar de cabeça para baixo: antes estava desesperado, mas logo vi o quão interessante foi a situação que eu vou escrever abaixo.
Antes de aprender a andar eu já morava no Costa Azul, um bairro com forte contraste sócio-econômico. Minha rua era metafórica, e só quem, como eu, para horas para pensar, conseguia entender a complexidade de um apartheid explícito: de um lado estava meu condomínio, protegido por um muro que o separava das Dunas, e mais atrás, haviam propriedades irregulares, ou seja, favelas; Olhando para esse cenário, associamos a imagem do Brasil e á Alemanha bipolar, com o muro de Berlim, e tudo essa onda de imaginação me deixava muito confuso, porque eu não sabia lidar com as pessoas ‘do outro lado do muro’, e o que elas pensam da gente? Será que elas nos culpam pela sua miséria? E o que eu penso delas, se eu nem as conheço?
Até o início de 2005 o cenário pouco mudava, até o governo estadual decidir construir um conjunto de casas populares defronte de minha rua, então metaforizei: é o fim da guerra fria? Que nada, era o início da guerra quente, pois quando souberam dessa construção, os condôminos se revoltaram, recorreram à justiça e embargaram a obra, o que é legal perante a lei; Também agindo de forma legal, os moradores das comunidades carentes paralisaram a rua, interditando a passagem de veículos. Então, surgiu um conflito evidente entre moradores da mesma rua que até então viviam em paz; Mas eu digo ‘conflito evidente’, ou seja, ‘guerra quente’, pois é claro que na ‘época da guerra fria da minha rua’, as diferenças sociais já existiam, mas a ‘bomba’ ainda não havia explodido. E nessa situação toda, há um ditado que ilustrava meu sentimento: na briga entre o mar com as falésias, quem sai perdendo são os moluscos; Eu não tinha mandado ninguém construir as casas nem pedi para embargarem as obras, mas eu era vítima dos olhares furiosos dos habitantes das comunidades, que passaram a odiar todos do condomínio, e era fácil perceber quem era condômino.
Os condôminos usavam um discurso de proteção ambiental para não destruírem as Dunas que existiam antes da construção das casas, afirmavam que o governador só começou a construção porque faltava pouco tempo para as eleições, e que essa construção desvalorizaria o imóvel, e pediram que, se tivesse de ser construídas, as casas fossem feitas mais para cima, longe da entrada do condomínio, a fim de não desvalorizar tanto o preço dos apartamentos no mercado imobiliário.
Para os habitantes das comunidades carentes, proteção ambiental era uma desculpa para o preconceito; Afirmaram também que esperavam urgentemente por moradias regulares e que estavam cansados da situação miserável, onde os barracos eram vulneráveis a desabamento e onde a chuva invadia com facilidade. Nesse momento, pela primeira vez pude fazer um julgamento jornalístico de um fato que tinha haver com a minha vida, mas não pude estar com os grupos de reportagem das diversas emissoras de televisão que filmavam a situação de minha rua.
No final das contas, as casas hoje estão construídas. No início, me achei injustiçado e pensei: se os ricos têm poder político e influência e os pobres têm maioria numérica, o que a classe média, a qual eu faço parte, pode fazer para se defender? Hoje penso: talvez eu tenha seguido uma linha de pensamento burguesa sem ao menos ser burguês, e não percebi a grandiosidade do momento para meus “irmãos de rua”. Claro que muitos não valorizaram o que ganharam e venderam o apartamento para morarem em outro barraco em outro lugar, para ganhar dinheiro com a venda e continuar fazendo gato de energia e água, que é algo que não condeno, pois era a forma de sobrevivência nesse país tão selvagem.
Essa situação acrescentou muito em minha vida; Passo pela minha rua e vejo pessoas diferentes, conheço outra cidade dentro de minha rua e abri minha mente. Algumas situações dependem de nossa interpretação para se tornarem construtivas, e com uma boa interpretação podemos ser mais felizes pelo que acontece conosco e com quem está a nossa volta.
Especial de cinema
-
*Distribuidora Obras-primas do Cinema lança filmes de palhaços assassinos*
Reconhecida no mercado de DVDs e Blurays brasileiro, a distribuidora
Obras-p...
Há 2 dias
Nenhum comentário:
Postar um comentário