domingo, 6 de julho de 2014

A publicidade que mata

Torcidas juntas em dia de Argentina x Bósnia, no Maracanã, no dia 15 de junho - Foto: Agência EFE 
Embora não sejam favoritos absolutos a chegarem na final da Copa do Mundo, no domingo da semana que vem (dia 13), Brasil e Argentina geram a expectativa de formar a final mais esperada (e temida) pelos torcedores da equipe anfitriã. Já ouvi quem disse que preferia Alemanha x Holanda ao clássico sul-americano, para "não correr o risco de ver os hermanos campeões em casa". Rivalidades futebolísticas à parte, que são naturais e não precisam de campanhas para serem ampliadas, a coisa está passando do limite, e eu temo por uma onda de xenofobia, que não é típica do brasileiro.

A jornalista irlandesa Helen Joyce, que trabalhou no Brasil como correspondente do The Economist por três anos e meio, disse que o brasileiro geralmente trata bem os estrangeiros, mas deixa a cortesia de lado com os próprios conterrâneos de regiões mais pobres, como o Nordeste (o que é tão lamentável quanto). Características sociais são mutáveis e a publicidade, a meu ver, tem atiçado os ânimos entre brasileiros e argentinos, não é de hoje.

Já houve briga entre torcedores dos países vizinhos em Belo Horizonte no mês passado, com direito a garrafadas. Felizmente ninguém se feriu com gravidade. 


O conteúdo publicitário é absorvido de maneira diferente por cada pessoa. A autocrítica varia de telespectador para telespectador, e não acho que os publicitários que idealizam campanhas como as da Skol podem ser eximidos de responsabilidade pela selvageria que acontece dos dois lados. Há muitos argentinos também sem autocrítica, que sozinhos, em pequenos grupos ou protegidos pelas suas barra bravas (espécie de Torcida Organizada nos países vizinhos), vão para o confronto, mas como não conheço tanto o que se passa por lá, me atenho ao que acontece na América Lusófona. Já houve até jornalista esportivo que "vibrou" quando policiais no Estádio Independência, também na capital mineira, bateram nos jogadores do Arenal Sarandí no ano passado.


Se a agressividade natural (misturada ao álcool) já pode colocar em perigo torcedores dos dois lados, as campanhas publicitárias pouco ajudam a pensar em cortesia com o adversário, semelhante a de David Luiz com o colombiano James Rodríguez. A Coca-Cola fez um comercial mostrando a amistosidade entre brasileiros e chilenos.


Mas a mesma marca de refrigerantes lançou durante a Copa América de 2011, na Argentina, um comercial em que um portenho se infiltra na torcida verde e amarela e corre risco de ser agredido ao gritar um gol de sua equipe. 


Nelson Mandela, antes de se tornar presidente da República da África do Sul, ficou preso por 27 anos durante o apartheid. Ao ser solto, muitos brancos, descendentes de europeus que foram a favor da manutenção do regime que segregava negros e brancos, esperavam vingança do novo líder nacional. O que não aconteceu. "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar", disse Mandela.

Em tempos de tratar como "chatice politicamente correta" reflexões como essa, eu penso que humor deve trazer graça. E eu não vejo graça na manutenção de uma ideia que só gera ódio, aprecia a trapaça para se conseguir triunfo a qualquer custo, corre o risco de sair da brincadeira e ameaça ceifar vidas. Não é engraçado ler uma notícia sobre uma briga, que é fruto do bombardeiro de informações para potencializar uma rivalidade que por si só já seria uma ameaça. Divertido mesmo é ir ao estádio e voltar são e salvo, com vitória ou derrota.

Obs: Recomendo a leitura dos artigos "Contra o antiargentinismo" (clique no título, que tem link que leva para a página), de Fernando Faro, e "Carta aberta às humoristas do Brasil", de Alex Castro. Ambos os textos abordam o tema da minha postagem acima. Toda xenofobia deve ser combatida. Brasil e Argentina não têm razões históricas do patamar de Brasil e Paraguai, que foi tema da minha postagem "Guerra do Paraguai nos olhos dos outros é refresco...", em 5 e agosto do ano passado. Apesar do conflito, a rivalidade entre brasileiros e paraguaios não é difundida nos meios de comunicação (ainda bem).

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