domingo, 12 de dezembro de 2010

As cotas do Brasileirão

Com apenas vinte times, a Série A do Campeonato Brasileiro não consegue abrigar todos que "de lá nunca deveriam ter saído"

Você já deve ter escutado várias vezes que "tal time voltou ao lugar de onde jamais deveria ter saído" logo após subir para a Série A. Há quem seja rotulado de "clube de primeira": esse "seleto grupo" é formado por doze poderosas agremiações (quatro delas em São Paulo, quatro no Rio de Janeiro, duas no Rio Grande do Sul e duas em Minas Gerais). São os doze times que mais disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro (três deles disputaram todas as 41 edições, Cruzeiro, Flamengo e Internacional).

O que faz um time ser "de primeira"? Sem dúvidas, tradição e torcida são critérios de desempate, mas vale lembrar que as regiões Norte e Nordeste são responsáveis por encher estádios até nas piores situações em que se encontram seus clubes, e nem por isso parecem fazer falta na Série A para parte da imprensa sudestina que reserva pouco espaço para suas trajetórias. O Esporte Clube Bahia, que teve a melhor média de público em três edições de Série A (1985, 86 e 88) é o mais lembrado em reportagens nacionais. Mas o Clube do Remo, disputando a terceirona, obteve a maior média de público das Séries A, B e C no ano de 2005 (30.869) e o Santa Cruz, time que na Série D desse ano conseguiu atrair em seus quatro jogos em casa uma média de 30.238 torcedores por jogo, são dois exemplos de paixão sem fronteiras (e sem divisão).

Bom, se o critério para se merecer uma cadeira cativa na elite do futebol brasileiro for fanatismo, o Nordeste teria que ter uma participação muito maior na Série A. Mas em seguida vem o critério tradição. O que é tradição? Se pensarmos que a paixão pode ser incondicional, mas a soma de troféus ao longo dos anos mostra a tradição vitoriosa de uma equipe, é incompreensível achar que o Atlético Mineiro e Botafogo são maiores que Bahia e Sport Clube do Recife. Com apenas dois títulos nacionais conquistados (a Série A de 1971 e a Série B de 2006) o Galo de Belo Horizonte não é lá tão "forte e brigador", se comparado, por exemplo, com seu rival Cruzeiro. Com o mesmo número de conquistas pelo Brasil, o Botafogo passou pela Série B e voltou de mãos vazias (faturou a Taça do Brasil de 1968 e a Séria A de 1995). O Sport Clube do Recife, além de ter faturado duas vezes o título da Série B, foi campeão brasileiro em 1987 (embora a maneira como a CBF conduziu o torneio é para lá de contraditória) e da Copa do Brasil de 2008. Porque o Sport, com 31 participações em Série A, merece menos respeito do que esses dois?

Todo Brasileirão começa com suas especulações, e os favoritos ao descenso não podem ser as "doze equipes cotistas". Com cadeira cativa - como se suas quedas representassem apenas os seus deméritos, e nunca o mérito de clubes emergentes - um "time grande" tem que fazer muita bobagem para perder o seu "lugar de direito". De fato, é muito mais fácil se manter na Série A com Mariano (Fluminense) na lateral-direita do que Apodi (Guarani). A tal "tradição artificial" faz alguns clubes arrecadarem mais do que outros, seja com cotas de televisão ou anunciantes. O nordestino não é menos apaixonado por futebol do que o paulista, carioca, mineiro ou gaúcho, mas competir com equipes que já começam arrecadando tanto nos seus estaduais é desleal, e enquanto não houver mobilização para se mudar a realidade, Santa Cruz, Sport, Bahia e Vitória continuarão sendo coadjuvantes no futebol brasileiro.

Ninguém é dono de nenhuma cadeira na Série A. Não existe clube que "jamais deveria ter sido rebaixado". Tradição e torcida, em muitos casos, são contextos artificializados, ao longo dos tempos, pelo poderio de difusão dos meios de comunicação sudestinos, concentrados na história dos seus estaduais, esquecendo-se que grandes craques já pisaram em gramados por aqui. O futebol é um reflexo da sociedade: as regiões mais ricas se consideram mais "tradicionais", e para as emergentes resta sonhar (ou ter pesadelos) com uma força invisível chamada "fantasma do rebaixamento" que todos os anos empurram-as para baixo.

O pernambucano Ademir de Menezes, artilheiro da Copa do Mundo de 1950, começou no Sport Clube do Recife, mas fez sua carreira no Vasco da Gama do Rio de Janeiro. Quantos craques teremos de perder até nos equilibrarmos em "tradição" (prestígio midiático e poderio financeiro) com os clubes do Sul/Sudeste?

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