Você já deve ter escutado várias vezes que "tal time voltou ao lugar de onde jamais deveria ter saído" logo após subir para a Série A. Há quem seja rotulado de "clube de primeira": esse "seleto grupo" é formado por doze poderosas agremiações (quatro delas em São Paulo, quatro no Rio de Janeiro, duas no Rio Grande do Sul e duas em Minas Gerais). São os doze times que mais disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro (três deles disputaram todas as 41 edições, Cruzeiro, Flamengo e Internacional).
O que faz um time ser "de primeira"? Sem dúvidas, tradição e torcida são critérios de desempate, mas vale lembrar que as regiões Norte e Nordeste são responsáveis por encher estádios até nas piores situações em que se encontram seus clubes, e nem por isso parecem fazer falta na Série A para parte da imprensa sudestina que reserva pouco espaço para suas trajetórias. O Esporte Clube Bahia, que teve a melhor média de público em três edições de Série A (1985, 86 e 88) é o mais lembrado em reportagens nacionais. Mas o Clube do Remo, disputando a terceirona, obteve a maior média de público das Séries A, B e C no ano de 2005 (30.869) e o Santa Cruz, time que na Série D desse ano conseguiu atrair em seus quatro jogos em casa uma média de 30.238 torcedores por jogo, são dois exemplos de paixão sem fronteiras (e sem divisão).
Bom, se o critério para se merecer uma cadeira cativa na elite do futebol brasileiro for fanatismo, o Nordeste teria que ter uma participação muito maior na Série A. Mas em seguida vem o critério tradição. O que é tradição? Se pensarmos que a paixão pode ser incondicional, mas a soma de troféus ao longo dos anos mostra a tradição vitoriosa de uma equipe, é incompreensível achar que o Atlético Mineiro e Botafogo são maiores que Bahia e Sport Clube do Recife. Com apenas dois títulos nacionais conquistados (a Série A de 1971 e a Série B de 2006) o Galo de Belo Horizonte não é lá tão "forte e brigador", se comparado, por exemplo, com seu rival Cruzeiro. Com o mesmo número de conquistas pelo Brasil, o Botafogo passou pela Série B e voltou de mãos vazias (faturou a Taça do Brasil de 1968 e a Séria A de 1995). O Sport Clube do Recife, além de ter faturado duas vezes o título da Série B, foi campeão brasileiro em 1987 (embora a maneira como a CBF conduziu o torneio é para lá de contraditória) e da Copa do Brasil de 2008. Porque o Sport, com 31 participações em Série A, merece menos respeito do que esses dois?
Todo Brasileirão começa com suas especulações, e os favoritos ao descenso não podem ser as "doze equipes cotistas". Com cadeira cativa - como se suas quedas representassem apenas os seus deméritos, e nunca o mérito de clubes emergentes - um "time grande" tem que fazer muita bobagem para perder o seu "lugar de direito". De fato, é muito mais fácil se manter na Série A com Mariano (Fluminense) na lateral-direita do que Apodi (Guarani). A tal "tradição artificial" faz alguns clubes arrecadarem mais do que outros, seja com cotas de televisão ou anunciantes. O nordestino não é menos apaixonado por futebol do que o paulista, carioca, mineiro ou gaúcho, mas competir com equipes que já começam arrecadando tanto nos seus estaduais é desleal, e enquanto não houver mobilização para se mudar a realidade, Santa Cruz, Sport, Bahia e Vitória continuarão sendo coadjuvantes no futebol brasileiro.
Ninguém é dono de nenhuma cadeira na Série A. Não existe clube que "jamais deveria ter sido rebaixado". Tradição e torcida, em muitos casos, são contextos artificializados, ao longo dos tempos, pelo poderio de difusão dos meios de comunicação sudestinos, concentrados na história dos seus estaduais, esquecendo-se que grandes craques já pisaram em gramados por aqui. O futebol é um reflexo da sociedade: as regiões mais ricas se consideram mais "tradicionais", e para as emergentes resta sonhar (ou ter pesadelos) com uma força invisível chamada "fantasma do rebaixamento" que todos os anos empurram-as para baixo.

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