quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

China, dinheiro e futebol: uma nefasta combinação

Foto: CCTV
O mais popular esporte do planeta corre perigo. O futebol, como conhecemos hoje no Brasil com a pronúncia de “futibóu” e que por essas bandas já se chamou “football”, vai precisar se reinventar muito para sobreviver às novas investidas da China. Não que este seja o primeiro desafio. A descrença no jogo já havia sido repercutida em 1920 pelo escritor Graciliano Ramos, que em artigo ao jornal alagoano “O Índio” cravou que “estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho. O futebol, o boxe, o turfe [corrida de cavalos], nada pega”. Pegou e “abrasileirou-se”. Nos anos 2010, é justamente a versão brasileira do jogo que tem chamado a atenção do outro lado do mundo. Era preferível a descrença do Século XX à obsessiva “admiração” dos orientais. 

Não é novidade que grandes clubes de outros continentes contratem estrelas sul-americanas. O que é novidade é a saída até de jogadores medianos por cifras inimagináveis, o que tem enfraquecido as ligas do continente e as disputas intercontinentais de clubes. O êxodo para a Europa pelo menos agraciava o fã do esporte com a formação de “dream teams” multiétnicos, o que ao longo do tempo deixou inúmeros legados. Do Real Madrid de Puskas e Di Stefano ao Barcelona de Messi, Suárez e Neymar. No entanto, quando os leilões por jogadores não deixam legado algum, o sinal de alerta deve ser acionado no mundo da bola.

Para entender o quão nefasta é a combinação China, dinheiro e futebol, é preciso entender o tamanho do país asiático no cenário. Participante de apenas uma edição de Copa do Mundo, em 2002 (três derrotas, 9 gols sofridos e nenhum marcado), e sem títulos em torneios continentais com a seleção principal, seus clubes venceram apenas três das 35 edições de Liga dos Campeões Asiáticos disputadas. Dos 14 jogadores que estiveram em campo no último jogo da seleção chinesa, em novembro do ano passado, empate sem gols e dentro de casa contra o Catar, pelas eliminatórias da Copa, apenas um atuava fora do país, o atacante Zhang Yuning, reserva do holandês Vitesse (nem sempre é relacionado para jogar). O Vitesse, que tem parceria com o Chelsea desde 2010, é o oitavo colocado na modesta Eredivisie, que conta com 18 times. Dezessete rodadas já foram disputadas e Yuning marcou apenas um gol.

Treinada pelo italiano Marcello Lippi (campeão europeu e mundial com a Juventus em 1995 e da Copa do Mundo com a Itália em 2006), a China é a lanterna do Grupo 1 das eliminatórias, com dois pontos em cinco jogos disputados, e está praticamente fora do mundial de 2018, na Rússia. Será muito difícil que as milionárias transações deixem algum legado se o nível dos jogadores locais continuar tão baixo, já que só é permitida a participação de quatro estrangeiros por equipe. Do ponto de vista tático, tampouco há boas perspectivas. Os treinadores, embora vitoriosos em outras épocas,  há muito tempo não fazem um bom trabalho, a exemplo de Luxemburgo (demitido em 2016 do Tianjin Quanjian, da segunda divisão), Scolari (após parcela de responsabilidade em rebaixamento do Palmeiras em 2012 e nos 7 a 1 do Brasil na Copa de 2014, foi contratado pelo Guangzhou Evergrande, onde está até hoje) e Mano Menezes (demitido esse ano do Shandong Luneng, o treinador perdeu prestígio após pedido de demissão inesperado do Flamengo em 2013, mas atualmente tenta juntar os cacos no Cruzeiro). 

A Chinese Super League foi a sexta liga com maior média de público do planeta em 2015, com 22.580 torcedores. A expectativa dos dirigentes é que a liga local se torne uma “Premier League Asiática”. Falta muito. As ligas japonesa e coreana contratam brasileiros de nível técnico mediano desde os anos 1990. Países do Oriente Médio também não poupam esforços. Não é coincidência que os clubes brasileiros precisem aumentar os preços dos seus produtos licenciados e ingressos e ainda assim passem por situação financeira difícil. O futebol, que chegou ao Brasil como um esporte de elite, se popularizou e em momento de inflacionamento de mercado deixa de encantar e de atrair as multidões. Está caro ir ao estádio e não é fácil para os clubes manterem a base com tamanho assédio da China, que no início de 2016 desfalcou o detentor do título brasileiro Corinthians com a transferência de quatro dos seus titulares. É hora de o futebol brasileiro se reinventar novamente e usar suas armas contra as investidas orientais. Se é que a China também não vai comprar as armas.

Nenhum comentário: