quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O bairrismo é meu escudo

O instinto de proteção não se faz presente apenas em mães corujas prontas para proteger seus filhotes, nem que para isso o mundo vire de cabeça para baixo. A cada vez que uma crítica é feita a determinado lugar, brotarão da terra milhares (quem sabe milhões) de entusiasmados bairristas bradando contra o “agressor”.

O bairrismo não pode ser racional, pelo menos não em uma cidade tão criticada pelos seus próprios habitantes. Por que então a crítica ofende mais quando proferida de plagas distantes?

Com a iminência da Copa do Mundo, as 12 cidades brasileiras têm sido cada vez mais expostas. E o escudo do bairrismo tem ganhado uma força inversamente proporcional aos esforços para que as sedes tenham legados. Se toda a energia depositada em desfazer a imagem dos estrangeiros sobre o Brasil fosse revertida para o setor de transportes, por exemplo, Salvador teria mais linhas de metrô do que Londres.

Exageros à parte, quem está na chuva é para se molhar. O Brasil aceitou a condição de sede do mundial e deve arcar com o ônus de ter toda sua (triste) realidade exposta em veículos de comunicação de fora. Jornalismo é isso. Já o bairrismo... Bairrismo é o que faz tudo continuar da mesma forma.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Guerra do Paraguai nos olhos dos outros é refresco…



Com 11 m de comprimento e altura de prédio de 10 andares, homenagem a D. de Caxias em SP não causa polêmica 
Guardar mágoa dos portugueses pela colonização de exploração ou dos americanos por influenciar os hábitos das novas gerações e ameaçar a cultura local só fortalece a ideia de que o brasileiro carece de autocrítica. Um complexo de inferioridade quando convém e que protege do “imperialismo”. Mas o Brasil não se portou e não se porta apenas como vítima.

No entanto, as instituições locais não retratam qualquer remorso pelos posicionamentos opressores do país. Enquanto na Alemanha o nazismo é motivo de vergonha até hoje, as referências à Guerra do Paraguai estão espalhadas do Caburaí ao Chuí sem nenhum constrangimento. O conflito que reduziu a população paraguaia de 1,3 milhão de pessoas para pouco mais de 200 mil, promoveu seu líder a herói e nome de cidades. Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, são homenagens ao homem que promoveu o genocídio. Já o time de futebol Avaí, de Florianópolis, tem esse nome em referência a uma das batalhas, de mesmo nome.

Não vou entrar nos detalhes e motivações do embate que envolveu Argentina, Brasil e Uruguai contra o vizinho que não tinha saída para o mar. O método de usar armas biológicas para dizimar uma população mostra o caráter da “Tríplice Aliança”.

O mais irônico é que a iminência de uma eventual difusão dos ideais fascistas e nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, fez o governo brasileiro proibir referências a países do “Eixo” em nomes até de clubes. Dessa forma, duas agremiações chamadas Palestra Itália, uma em São Paulo e outra em Belo Horizonte, passaram a se chamar Palmeiras e Cruzeiro, respectivamente. Também na capital paulista, o Sport Club Germânia foi “rebatizado” de Pinheiros. Não havia no escudo de nenhum dos clubes citados algum feixe, suástica ou qualquer referência aos regimes totalitários que aterrorizavam o mundo na época.
Uma das consequências mais temidas da globalização é a “padronização dos comportamentos”. Sair para assistir um filme hollywoodiano, comer um Big Mac e escutar um disco de uma banda americana no carro no retorno para casa virou um pacote comum, um programa feito por milhões de pessoas de origens diferentes pelos quatro cantos do mundo. A “cultura enlatada dos EUA” já virou alvo de críticas em músicas, aulas de história e discursos políticos. Mas e quando as novelas da Rede Globo são transmitidas para dezenas de países e influenciam no estilo de vida de populações tão distantes daqui? E quando crianças em meio a cenários de guerra vestem a camisa da Seleção Brasileira e, mesmo alheias ao processo político de seu turbulento país, sabem o nome dos principais jogadores que vestem a amarelinha, como já vi em matérias na TV? Ou quando o talento de Pelé é capaz de interromper uma guerra na África, apesar de todo o folclore que envolve a história? A única difusão cultural válida é a que vem pintada de verde e amarelo?

Pedir de volta o ouro aos portugueses é fácil. Guerra do Paraguai nos olhos dos outros é refresco...

Música de Legião Urbana criticava globalização

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Atire a primeira pedra

Foto: Daniel Ramalho
Segundo o cronista Érico Veríssimo, “O amor está mais perto do ódio do que a gente geralmente supõe. São o verso e o reverso da mesma moeda de paixão. O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença...”. O “culto ao ódio” cria pretextos com lógicas próprias, e eu não vejo outra explicação para a depredação da sede administrativa da Rede Globo, na madrugada desta quinta-feira (18).

A questão transcende a preferência pela emissora ou até mesmo o gosto por assistir televisão. Vi um comentário interessante, em que o internauta dizia “é mais fácil quebrar o prédio da emissora do que desligar a TV”. O canal “plim-plim” pode até deter os direitos exclusivos do Campeonato Brasileiro, mas o “monopólio da manipulação” não é seu. Nem apenas da Record. Nem da televisão. A corrente em prol da depredação cegou, criou uma adesão emotiva, tirou propósitos racionais e até manipulou.

Entre alguns dos comentários sobre a depredação, na página “Pragmatismo Político”, no Facebook, os que me chamaram atenção:

- Quem procura acha!!! rsrsrsrs

- Lindo, perfeito, pena eu estar longe pq eu ia amar tacar pedras nessa porta, melhor acertar a cabeça do W. Boner

- GRAÇAS A DEUS ESSE MOMENTO CHEGOU, EU SEMPRE SONHEI COM ISSO. a GLOBO É HISTORICAMENTE CULPADA POR MUITAS MAZELAS DESTE PAÍS.

- Que isso gente o Luciano Huck pediu pra fazer protesto pacífico, assim vocês chateiam a elite !

- O pessoal que critica o ataque pelo jeito fugiu das aulas de História. Ou o pessoal pensa que a Revolução Francesa foi sem violência? a Globo merece toda essa violência depois de 40 anos de violência a serviço das elites atrasadas e dos militares que torturaram e mataram muitos. É o povo com sua vingança. E essa vingança é justa. Ficar no "sem violência" apartidária é o mesmo que não fazer nada.

Muitos brasileiros não se enxergam como responsáveis pelas mazelas do país e apelam à história para justificar a violência e corrigir “seu próprio reflexo”. Não apenas os meios de comunicação, mas os políticos do país são um espelho de nossas próprias omissões. Um amigo meu disse-me uma frase esta semana que resume o quão responsável é um povo sobre seu próprio destino. “Prefiro políticos desonestos sendo pressionados a políticos corretos na zona de conforto”. A atmosfera criada pelas manifestações em todo o país tem feito até o senador Renan Calheiros trabalhar “com medo”. É disso que a população precisa: ter consciência que pode “ditar o ritmo de jogo”, para usar uma expressão “futebolística”. Não acredito que os políticos na Suécia, Dinamarca, Islândia e Finlândia sejam mais íntegros. Mas certamente eles são mais pressionados e sabem que as consequências são graves a cada pisada na bola. 

A Globo é manipuladora ou apenas reproduz o que lhe é demandada? Por que a ótica acerca dos protestos iniciados no dia 17 de junho se tornou positiva para a emissora, o que rendeu até um Globo Repórter sobre o tema? Nada disso teria acontecido se não fosse na base da “marcação sobre pressão, buscando a bola no seu campo de defesa”. Depredar o prédio da emissora, além de ser vandalismo, superestima sua importância no processo. E a Globo não merece esse destaque, principalmente em tempos em que as redes sociais ganharam papel fundamental em informar e criam certa independência. Forçar a barra para “aparecer na telinha” chega a ser um comportamento infantil, e se satisfazer ao ser atendido soa alienante. 

O brasileiro é vaidoso e gosta de ser visto. Principalmente para fora do país. Por que ainda não depredaram o prédio de emissoras mundo afora?

sábado, 29 de junho de 2013

A Copa das “Manifestações” e do “Pudor”

Manifestantes no Campo Grande, em Salvador l Foto: Instagram / felipepmagalhaes
Longe da galhofa que envolveu a folclórica seleção do Taiti, as vaias à Seleção Espanhola em todos os jogos e o carisma de Balotelli, a “jiripoca piou” no entorno dos estádios antes e durante as partidas da Copa das Confederações. A estreia, em Brasília, deu o tom do que seria a relação entre manifestantes e polícia. Se a Fifa imaginou que poderia emplacar as “caxirolas”, a tendência das ruas foi balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Dentro das arenas, porém, pouco se percebia, graças à péssima qualidade de captação do 3G e pelo perímetro extenso estabelecido, que fazia o barulho das explosões não se propagar até as arenas. Fui ao jogo entre Uruguai e Nigéria, na minha cidade, Salvador, e só percebi a gravidade do que aconteceu quando cheguei em casa, já que a polícia não havia sido truculenta no protesto de três dias antes. 

Vivi momentos mágicos, que sempre sonhei: interagir com pessoas de outros países, curtir uma infraestrutura que, por alguns momentos, me dava a impressão de estar na Disney, ver de perto jogadores que eu estou acostumado a acompanhar nas principais ligas da Europa... Não há pecado em sentir prazer por viver essa atmosfera. Essa não foi só a “Copa das Manifestações”, mas também a “Copa do Pudor”: mostrar interesse por futebol na segunda metade de junho poderia despertar críticas nas redes sociais, inclusive de quem semanas antes do início do torneio cogitava comprar um ingresso. 
Eu e os uruguaios l Foto: Instagram / lucasfranco1

O clima de revolta da população contra a situação do país é digna, inclusive sempre tive ressalvas à realização da Copa do Mundo no Brasil, mas eu tinha que fazer parte desses momentos que apaixonados por futebol por todo o planeta sonham em viver pelo menos uma vez na vida. O futebol não é o causador das mazelas do país e Neymar não tem culpa por ser tão valorizado. Aliás, o Japão, tão reverenciado como referência em educação, também tem ídolos esportivos. O “erro” não está em acompanhar futebol em momentos como esse, e sim em viver em função de qualquer coisa que seja (futebol, festa, trabalho, família...) e se esquecer das demais pelos 365 dias do ano. Assim como o que engorda não são os hábitos alimentares do período entre o natal e o réveillon, e sim a “dieta” entre o réveillon e o natal.

A cobertura jornalística durante o torneio parecia mostrar dois países. Na Globo e Sportv, pouco se via de manifestações. Já a ESPN, que tem comentaristas que sempre se posicionaram contra a realização do torneio no Brasil, como Mauro Cezar Pereira, Juca Kfouri e José Trajano, deu uma aula de bom jornalismo, com flashes dos protestos sem deixar de acompanhar de perto o que acontecia dentro de campo, embora sem os direitos de reproduzir as imagens dos jogos. 

O FUTEBOL NO MEIO DE TUDO ISSO

Escrever sobre a nona edição do torneio que reúne os campeões continentais sem mencionar tais turbulências é como tentar contextualizar a Europa da década de 40 sem escrever uma linha sobre a Segunda Guerra Mundial. Mas também se jogou futebol pelo lado de cá. E como.

Antes das definições do terceiro colocado e campeão, os lados “A” e “B” já estão gravados para a posteridade. Com exceção do país-sede, as equipes que mais despertaram a simpatia do público foram justamente as lanternas dos seus grupos. Tão distantes do ocidente, Japão e Taiti perderam todas as três partidas, mas “folclorizaram” o torneio tão “pasteurizado”. Para mim, “o gol do torneio” foi marcado por Jonathan Tehau, do Taiti, contra a Nigéria. Sua seleção perdia por 3 a 0, mas a vibração pelo tento e comemoração provaram que é possível ser feliz “sem ser o melhor”.




Inevitável não lembrar da música “O Vencedor”, de Los Hermanos: “Eu que já não quero mais ser um vencedor/ Levo a vida devagar pra não faltar amor”. Não faltou amor aos taitianos, que ganharam até uma torcida em Recife, a “Taititibis”, criada pelos torcedores do Íbis, o “pior time do mundo”.

Foto: Divulgação


O Japão, por sua vez, levou o torneio à sério. A derrota por 3 a 0 para o Brasil na estreia não esfriou os ânimos dos bravos samurais, que foram eliminados na segunda rodada após um jogo épico contra a Itália. Terminaram o primeiro tempo vencendo por 2 a 0, e o final do cotejo, 4 a 3 para a Azzurra, teve emoção até o último suspiro. Talvez tenha sido a melhor partida do torneio e os torcedores na Arena Pernambuco apoiaram os orientais.

A frase que resume o sentimento do povo brasileiro, que até então não havia visto legado nas realizações dos torneios da Fifa no país, é: “No meio do caminho tinha uma copa. No meio da copa achamos o caminho”. A pressão popular sobre os políticos gerou inúmeras conquistas, que vão de redução de tarifas de ônibus à rejeição de Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Que manifestações desse tipo não ocorram apenas quando o “mundo estiver de olho no Brasil”. Na minha opinião, os brasileiros de um modo geral têm a necessidade de serem “percebidos”. Necessidade de aprovação. Não é preciso que os outros saibam que nós existimos. Nós somos muito maiores do que qualquer tipo de julgamento lá fora. E estamos nos reconstruindo. O dia 17 de junho, primeiro dia de manifestações que abrangeram diversas cidades do país, já está nos livros de história, independentemente do que aconteça daqui para frente. Esse foi o principal legado da Copa das Confederações.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Inconformados de verdade: uma seleção de heróis

A seleção não representa o governo, a Rede Globo ou a CBF. Ela é composta por pessoas que, apesar de não se pronunciarem sobre os problemas nacionais, não acordaram ontem. Eles nos representam | Ricardo Nogueira/Folhapress
Todas as manifestações em prol de melhorias para o país são admiráveis, independentemente de quaisquer transtornos eventuais, como atos de vandalismo. Sair da inércia sempre será melhor do que calcular com perspicácia eventuais danos de uma operação complexa como um protesto com milhares de pessoas. Mas ao contrário do que alguns militantes defendem, o gigante não acordou, ou ninguém se lembra de Zumbi dos Palmares, Balaiada, Sabinada, Conjuração Baiana, Contestado, Canudos, Cabanagem... O gigante sempre lutou. O povo brasileiro tem uma história de lutas e conseguiu avanços importantes. Quantos jovens não se tornaram os primeiros da família a conseguirem entrar na faculdade? Tataranetos de escravos que ergueram com orgulho o canudo de formando graças a alguns avanços sociais, como os créditos educativos e cota nas universidades públicas, mas sobretudo graças a garra. Nunca faltou força de vontade para os brasileiros.

A consciência política, sim, pode ser o próximo passo para uma nova fase, embora em algumas andanças minhas pelo mundo conheci estrangeiros de “países de primeiro mundo” que não sabiam bulhufas sobre política local. As passeatas injetam doses extras de auto-estima, mas trazem como efeitos colaterais a falta de autocrítica. Por que quem nunca se mobilizou antes para lutar por mudanças hoje se sente no direito de julgar quem ainda não aderiu à causa? Isso me lembra os episódios de repúdio ao torcedor do Bahia, Binha, que nada mais é que um reflexo do que foi a massa tricolor durante toda sua vida, como escrevi em uma postagem há um mês.

Sobrou até para o futebol. Cartazes como “Japão, eu troco meu futebol pela sua educação” e gritos como “Brasil vamo acordar, o professor vale mais que o Neymar” jogam a responsabilidade de um segmento omisso na sociedade em um esporte de essência popular. A classe média tem tido presença maciça no movimento, o que é perceptível nas redes sociais. Ótimo. Mas os 23 jogadores que representam nosso país na Copa das Confederações lutaram mais contra a corrente do que a grande maioria dos manifestantes que descobriram ontem como mostrar indignação, e eu me incluo aí. A Seleção Brasileira não representa o governo, a Rede Globo ou a CBF. Ela é muito mais que isso. Ela é composta por pessoas que, apesar de não se pronunciarem sobre os problemas nacionais, não acordaram ontem. Histórias de meninos pobres que acordavam cedo, desde muito cedo, para ralar nos treinos em busca do sonho de ser jogador e ajudar a família e a comunidade, sem falar na superação de Thiago Silva, que superou uma tuberculose na Rússia, são as provas que eles nos representam. O que há de ruim no futebol não é causado pelos jogadores.

A história tradicional da música brasileira omite o brega. A MPB, gênero mais influente na classe média, que lutou por democracia nos tempos de ditadura, preenche as lacunas dos tempos de chumbo. O livro “Eu Não Sou Cachorro Não”, de Paulo Cesar de Araújo, resgata um pouco da história dos artistas que, ao contrário dos astros da MPB, vieram de baixo e não eram tão instruídos politicamente, mas incomodaram os censores da mesma forma por tratarem de temas como a opressão de uma classe dominante sobre o povo, coisa que não pôde ser sentida na pele por Chico Buarque por exemplo. Tampouco os compositores “politizados” levavam seu som a lugares remotos, como Ravel descreve em uma passagem. “Nós sempre estivemos nos apresentando em localidades onde a maioria dos artistas não queria ir. Nenhum artista da MPB ia se apresentar em Capual, Vilhena, Ji-paraná, Pimenta Bueno, Rolim de Moura, Presidente Médici; é incrível, mas nós vimos nascer esses municípios todos. Inúmeras vezes a gente cantou para aqueles trabalhadores que estavam construindo a Transamazônica. E era um risco muito grande para um artista fazer um show ali. Mas nós fazíamos os nossos shows assim, cantando embaixo de galpões, em fazendas, levando mordidas de mosquito, ficando atolado na estrada, vendo a miséria do povo, aquele povo simples que adorava música”.

E quantos dos manifestantes desprezam símbolos populares como os jogadores de futebol e os cantores de brega? Estes, sem dúvida, nunca dormiram. Com consciência política ou não, fizeram muito mais que a maioria dos que têm feito protesto e somente decidiram agir na semana passada. Pior para mim, que não fui às ruas na segunda-feira. Será que eu ainda não acordei?

terça-feira, 21 de maio de 2013

Torcedor

Foto: Divulgação

Há de haver torcedor de time de futebol “consciente?”
Uns mais, outros menos
Che Guevaras de bumbos e bandeiras hasteadas sob o sol da liberdade
Democracia, eleições diretas, reforma estatutária...
Trancafiados que são dentro das quatro linhas de suas próprias vidas

Um torcedor precavido não pode ser “tão” racional
Senão, qual o motivo da ânsia do cotejo?
Pelejar sob plagas longíquas
Em nome do amor
Sem nada em troca
A não ser
Ser torcedor
Sofredor
Doença
Doente quem combalido se torna em troca do mais nobre sentimento humano

Há tanta vida além
Da esfera de gomos costurados com a estirpe d’alma
Que não mais se conhece
Descortinada
Nua sob as cores de um clube de futebol
Fadada a sofrer sem ver quanta vida há além mar

domingo, 19 de maio de 2013

Todo torcedor do Bahia tem um pouquinho de Binha

Na versão tricolor de "Dom Quixote", "Bahia melhor que Barça e Real"

Todo torcedor do Bahia ô ô, tem um pouquinho de Binha de São Caetano iá iá, tal qual “isto aqui” tem um pouquinho de Brasil em uma letra de Caetano Veloso. Digo por mim mesmo, embora eu não esteja sozinho. Binha está. Mas o folclórico “Dom Quixote Baiano” é um retrato do que toda a nação tricolor tem sido nos últimos tempos. Enxergávamos em Souza um “Caveirão”, quando este nunca passou de uma viatura sucateada. Assim como o personagem criado por Miguel de Cervantes, o torcedor em geral, de qualquer clube, não distingue moinhos de vento de monstros aterrorizantes, mas a “inchada de Esquadrón” consegue se superar.

Quem não sentiu alegria com o título baiano do ano passado (eu chorei), que atire a primeira estrela. Contra os vice-torianos, é claro. Criticar as bizarras saídas de gol de Marcelo Lomba naquele tempo era sacrilégio, dizer que Titi era fraco na bola aérea vinha seguido do argumento “mas no chão é ele quem manda”, como se a virtude de um zagueiro pudesse se limitar a um fundamento de UFC. O “trabalho” de Marcelo Guimarães Filho não sofria críticas e era até defendido pela torcida quando a maré era favorável. 

Quando, às vésperas de um Ba-Vi na primeira fase do Baiano do ano passado, o cartola foi destituído do cargo e perdeu a peleja por 3 a 2 no Barradão, houve quem responsabilizasse o grupo de oposição que entrou com ação judicial contra a irregularidade que existia dentro do clube, já que o Esquadrão de Aço surfava na crista da onda. Lutar por um time forte a longo prazo requer alguns sacrifícios, derrotas dentro de campo e chantagens de quem não quer largar o osso, mas a torcida no geral enxerga os opositores como inimigos. 

O cenário hoje mudou não por conscientização da torcida, que pouco parece conhecer o estatuto do clube pelos comentários que vejo no Facebook. Somente derrotas humilhantes dentro de campo mobilizam a vontade de mudança. E bastam alguns triunfos para tudo se “normalizar” e Marcelinho voltar a ser a “princesa Dulcineia”. 

Binha nada mais é que o estereótipo do torcedor do Bahia comum, com uma diferença: ele não liga para os resultados. Chamá-lo de “baba-ovo da situação” e “doente mental” soa, no mínimo, hipócrita. Ele é Bahia de verdade, independentemente de ganhar ingressos de grupos de empresários ou da diretoria, e tem todo o direito de assistir o clube de coração no estádio, concordem ou não. 

Cansei de ver pessoas que já manifestaram apoio a Marcelo Guimarães Filho nas redes sociais hoje se dizerem a favor do movimento “Bahia da Torcida”. Marcelo Guimarães Filho, assim como Binha, não mudaram em nada. São os mesmos, adeptos das mesmas práticas e rituais há anos. Por que o movimento só se tornou forte agora? A maior arma de um povo contra o despotismo é o conhecimento. A revolta gratuita, fundamentada pela vontade de fazer justiça com as próprias mãos, gerarão apenas alguns carros quebrados a mais no Fazendão, além de se configurar em crime contra o patrimônio. Saber o que se passa é o primeiro passo para não sair “de La Mancha” tão desorientado como o protegido de Sancho Pança.

Aos torcedores do Bahia que sempre se opuseram ao regime atual, todo o meu respeito. Aos demais, que só pedem pelas melhorias por conta dos desastres dentro de campo, uma reflexão. O Bahia nunca foi bem administrado. A saída de Marcelinho, que deveria acontecer o quanto antes, não poderá ser bem-sucedida se cuidados não forem tomados. Em outros tempos, era possível ser “varzeano” e colher bons resultados, como no título brasileiro de 88, quando dois dos principais jogadores da campanha, o goleiro Sidmar e o zagueiro Pereira, foram vendidos às vésperas dos playoffs. Não somos tão grandes quanto imaginamos, mas podemos ser muito maiores do que jamais sonharíamos em ser. Bora Baêa minha porra!

domingo, 21 de abril de 2013

Peso da camisa

Itália de Del Piero eliminou a Alemanha da Copa 2006, em Dortmund | Alex Livesey/Getty Images

A expressão “peso da camisa” teve sua pesquisa empírica concluída em Munique, no dia 10 desse mês. Quando o Bayern, que é a base da seleção alemã, eliminou da Champions League a Juventus, base da “Azzurra”, pude concluir que jogadores realmente se transformam a depender do uniforme que trajam. Em Copas do Mundo e Eurocopas, os alemães são “freguezaços” dos italianos. Por que esses mesmos jogadores não fazem jus aos prognósticos de suas seleções nacionais ao trajarem o uniforme preto e branco da “Velha Senhora” e o vermelho do gigante alemão? É amigo, camisa pesa. O Bayern de Munique venceu a Juventus duas vezes por 2 a 0 e é semifinalista da Champions League.

Retrospecto entre seleções da Itália e Alemanha

No torneio da Fifa, três vitórias para a equipe da Velha Bota e dois empates sem gols. Já na competição realizada pela Uefa, uma vitória italiana e dois empates, embora um deles tenha eliminado a Azzurra da primeira fase, em 1996. Ou seja: a seleção alemã JAMAIS venceu a seleção italiana em um jogo que não seja amistoso.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A fé da bola, na bola

Flamengo reúne torcedores de todo o NE em SSA / Foto: Felipe Oliveira

O deputado federal Marco Feliciano conseguiu, sem querer, promover uma “guerra”. Os contrários às suas declarações se mobilizam pela sua renúncia na presidência da comissão dos direitos humanos, os religiosos retrucam, e enxergo esse momento “fervoroso” como uma grande oportunidade para refletir sobre tolerância em todos os âmbitos, inclusive no futebol. Até porque hoje saiu o resultado de uma pesquisa, realizada pela Pluri Stochos Pesquisas e Licenciamento Esportivo, que apontou que as quatro maiores torcidas do Nordeste são de clubes de fora da região, e já imagino o tipo de reação nas redes sociais com o resultado.

Sob que justificativa uma torcida assume um comportamento xenófobo ao gritar “Éu éu éu, vai para casa tabaréu”, contra os baianos que torcem por um time do Rio de Janeiro? Ninguém é obrigado a torcer pelos times do seu estado. “Ah, então vá no Sudeste e veja se alguém vai te respeitar...”. Ora, a situação é diferente em Salvador, onde quem é do interior recebe a alcunha de tabaréu? Como o Esporte Clube Bahia pode querer captar mais fãs em outras cidades se faz vista grossa para manifestações do tipo? Os mesmos torcedores contrários a opção clubística de seus conterrâneos não gostariam de ouvir “Ino ino ino volta para casa nordestino” durante um jogo entre São Paulo e Bahia no Morumbi.

Os mandamentos religiosos estão na Bíblia, que é interpretada de diversas maneiras. Há também quem não faça do livro cristão seu manual, e daí surge toda o conflito, que não é o tema dessa postagem. Os fundadores do futebol, até onde eu sei, não deixaram recomendações para seus adeptos. Longe das discussões eclesiásticas, defendidas sob os argumentos de um livro por um lado e sob ideais de direitos humanos do outro, no futebol não há representação divina, e “Se Deus não existe, tudo é permitido”, já havia escrito Fiódor Dostoiévski em “Os Irmãos Karamázov”. Essa é a minha crença. E a sua?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O crime 'sem culpado' no futebol

Kevin Douglas morreu ao ser atingido por sinalizador | Reprodução/ Facebook
Inteligência. Palavra de fácil compreensão e pouca aplicação quando se trata de segurança pública no ambiente do futebol. No final do ano passado, escrevi uma matéria sobre o trabalho das polícias civil e militar da Bahia na contenção da violência entre torcidas de futebol. Declarações de especialistas à parte, o problema parece longe de uma solução e me faz pensar em uma frase do ex-presidente dos Estados Unidos, John Kennedy: “A vitória tem mil pais, mas a derrota é órfã”.

Será tão complicado prevenir mortes como a do garoto boliviano atingido por um sinalizador ontem, na partida do seu time, o San José, contra o Corinthians? Ou o presidente do clube paulista continuará com o discurso de que houve uma “fatalidade”? O clima não era de hostilidade em Oruro, onde foi realizado o jogo. As torcidas não estavam separadas como acontece no Brasil e antes do jogo, os habitantes da cidade queriam chegar perto dos jogadores brasileiros para pelo menos relarem seus braços no corpo dos jogadores brasileiros, tamanha admiração pelo campeão mundial. Após o sinalizador que atingiu Kevin Douglas Beltrán Espada, 14 anos, no olho, a hostilidade tomou conta do estádio e os corintianos passaram a ser chamados, em coro, de assassinos.

Quantas pessoas precisarão morrer para que a fiscalização seja mais branda nos estádios de futebol? Também no final do ano passado, entrevistei um empresário do ramo da pirotecnia, Adriano Ribeiro, e ele defendeu a ideia de que nem todos os fogos deveriam ser proibidos em estádios de futebol. “Se estádio de futebol vai te oferecer uma estrutura para determinado tipo de fogos, você tem que saber usar aqueles tipos de fogos visando a segurança. Talvez quem crie as leis, quem aprova as leis, não são entendedores do ramo de pirotecnia. Existe uma variação de fogos e a lei fala que simplesmente você não pode usar, sendo que aqueles menores, sem estampidos, sem uma menor quantidade de gramas de pólvora, você poderia usar. A lei deveria determinar 'a partir desse você pode usar', mas a lei fala que não pode”.

Certamente, o sinalizador marítimo que matou o garoto boliviano não entraria em um estádio bem fiscalizado: a velocidade do disparo ultrapassava 100 km/h. A Conmebol, como de costume, se exime de responsabilidade e a solução mais fácil, se é que haverá punição, será punir o clube. Punir um clube de futebol pelo ato de um torcedor é a maneira mais fácil de dar satisfação à sociedade. Achar o responsável, coibir que fatos como esses ocorram novamente e assumir a responsabilidade parecem demais para a confederação que rege o futebol sul-americano. Para se ter uma ideia, em todas as competições europeias, a Uefa passa a gerir o estádio do mandante pelas horas que antecedem e sucedem o jogo, e o clube deixa de ser o “proprietário” do seu próprio patrimônio para que a competição não corra o risco de ter sua imagem manchada pela incompetência da agremiação, foi o que ouvi de Mauro Cézar Pereira, da ESPN, o mesmo que faz reflexões brilhantes sobre questões como essas abaixo, acerca das torcidas organizadas. Confira o vídeo e reflita, sem clubismo, sobre a questão, que vai muito além de Corinthians, Palmeiras, Bahia, Vitória, Brasil e Bolívia.


A vida vale muito mais que o futebol. Há brasileiros que reclamam da falta de conhecimento dos europeus quando o assunto é o nosso futebol. Mas será que uma competição que vende 90 minutos de uma decisão para uma TV e transmite só 45 é um bom produto? Será que é tão divertido assistir a uma partida em que os policiais precisam proteger os jogadores do time visitante para cobrar um escanteio? Ou só quem consegue enxergar a “mística dessa guerra” são os sul-americanos?