quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ouvir primeiro, falar depois

O primeiro passo para se reconstruir é admitir os privilégios. A hashtag #meuamigosecreto no Facebook trouxe uma série de denúncias de mulheres contra o machismo e mea culpa de homens. Assumir um compromisso público com a reconstrução está adequado para esse grande momento que vive a rede social desde ontem. Qualquer outro posicionamento é falta de empatia, principalmente vindo de um homem.

Não é coincidência que a maioria dos grandes artistas, filósofos e políticos da história são homens. As coisas não estão equilibradas, e enquanto não estiverem equilibradas homens devem se preocupar mais em ouvir do que em falar. Já falamos muito durante milênios, desde o advento da escrita. A cicuta tragada por Sócrates matou o filósofo, não suas ideias. Nicolau Copérnico e Galileu Galilei tiveram corpos queimados, mas seus legados estão intactos. Homens alcançaram a eternidade mesmo morrendo, mulheres foram impedidas de nascer para a filosofia e para as ciências. 

Mulheres são julgadas por saírem sozinhas até nos dias atuais, imagine então levar ideias para tão longe quando pessoas eram queimadas na fogueira por parecerem “estranhas”. Não é à toa que há pouquíssimas bandas com guitarristas, baixistas ou bateristas mulheres. Para muitos homens, inclusive muito próximos de mim, mulher não deve “chamar atenção”, imagine viajar por aí tocando em uma cidade diferente a cada dia.

Há um dito que diz que temos dois ouvidos e uma boca para que possamos ouvir mais do que falar. Em momentos como o atual, é hora de escutar o que elas dizem sem nenhuma vírgula de ponderação. “Ah, mas tem muita hipocrisia no que muitas dizem” ou “nem todo homem é assim”: essa não é a hora de ser corporativista, é hora de se informar melhor. Eu sei o quanto posso melhorar em diversos aspectos. Lutarei todos os dias para ser uma pessoa melhor, e durante essa caminhada não deixarei de estudar, ouvir e ler mais do que supor, falar e escrever sobre o que não sei. 

Obs: Feminismo não é o oposto de machismo. Leia mais (apenas dois links que achei numa busca rápida pelo Google. Há muito informação na internet, é só buscar):

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Ser baiano

Foto: Lucas Franco
A Lavagem do Bonfim, na minha opinião, é o maior exemplo da idiossincrasia do baiano. Os abraços entre representantes do Candomblé e da Igreja Católica são símbolo de resistência em um mundo cada vez mais intolerante. Ao longo do tempo, porém, os baianos resistiram de todas as maneiras, indo à luta ou sorrindo, lutando pela independência do país ou transformando arte em protesto contra a ditadura militar.

Eu sou essa mistura. Todas as vezes em que saí do meu berço eu senti o quão especial é a cidade em que nasci. Mesmo com todos os seus problemas, o sorriso segue sendo a principal ferramenta de resistência dos soteropolitanos. Porque o baiano médio não perde as esperanças, mesmo quando liga a televisão e constata mais uma tragédia. Em uma cidade tão turbulenta como Salvador, é um milagre que seus habitantes sejam tão hospitaleiros. O baiano não sorri porque está conformado. Mas a vida não espera para que tudo se resolva e o baiano não se acomoda. Se não é possível ensaiar sua luta em público, se dança. Na falta de todos os ingredientes para a comida, capricha no quiabo. Mas nada de se submeter a professar uma fé que não seja a sua, mesmo que aparentemente demonstre submissão. A resistência do baiano é inteligente, brava e corajosa. A capoeira, o caruru e o Candomblé são símbolos da nossa cultura que resistiram depois de muita luta. Se não fosse essa luta, a cultura africana não teria sobrevivido, como não sobreviveu em muitos cantos do continente.

Ao contrário do que conta a história tradicional, a independência do Brasil foi conquistada com muito derramamento de sangue, assim como nos países vizinhos. Hospitaleiros sim, “pero sin perder la ‘dureza’ jamás”. A verdadeira libertação do país, em 2 de Julho de 1823, só aconteceu porque muita gente lutou antes dessa data. E seguiu lutando depois por outras tantas conquistas. Baiano nunca teve tempo para ter preguiça. 

Esse 2 de Julho tem um gosto um pouco amargo. Ontem, o presidente da câmara dos deputados, eduardo cunha, em uma manobra anticonstitucional, conseguiu aprovar proposta para diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil. “Com tiranos não combinam brasileiros corações”, consta em uma parte do hino à independência. Mas quer saber de uma? Nada nunca foi fácil e a luta continua. Muitos sóis a Dois de Julhos hão de surgir, brilhando cada vez mais a cada conquista. Parabéns Bahia, parabéns Brasil!