sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Suicídio por desonra existe no Brasil?


Organizações brasileiras ligadas à saúde escolheram o mês de setembro para iniciar uma campanha de prevenção ao suicídio. Embora os índices locais sejam altos, uma das causas que levam ao ato não são recorrentes no país: a desonra.

No outro lado do mundo, no entanto, a prática de usar a espada contra si próprio foi comum por muitos séculos e, segundo estudiosos em cultura e história japonesa, ainda há reflexos nos dias atuais. “O haraquiri [suicídio praticado pelos samurais] surgiu entre 1139 e 1177. A razão que explica o haraquiri como uma honra é proveniente da crença de que na região abdominal se vive a alma e o amor das pessoas. Essas crenças de morrer honrosamente ficaram enraizadas”, contextualiza a diretora educacional da Federação Cultural Nipo-Brasileira da Bahia, Angela Tamik. 

Em outro extremo, os programas eleitorais no Brasil provocam incredulidade. Muitos dos candidatos, investigados por diversos crimes, concorrem a cargos públicos municipais em todo o país neste domingo, dia 2 de outubro. “Todos os políticos [que cometessem crimes] tinham de efetivar haraquiri. Os que permanecessem tinham de investir na educação e na saúde da população para reerguer o país como o Japão, depois da segunda guerra mundial, onde todos foram alfabetizados”, desabafa Angela Tamik, que é PhD em Ciências da Saúde pela Universidade de Tokyo.  

Apesar de conscientes acerca dos problemas estruturais do país, nem todos os brasileiros enxergam a proposta de Angela como a solução, afinal, suicídio é um tabu no ocidente e os jornais não relatam notícias a respeito, também com a finalidade de não fazer apologia. “Acho que no Brasil a corrupção é tão escancarada que ninguém sente essa vergonha extrema ao ponto de cometer um suicídio por honra”, opina o ex-repórter de política do Bocão News e hoje assessor de comunicação da Câmara Municipal de Vereadores de Salvador, Marivaldo Filho. “Apesar de acreditar, com base em fé pessoal, que o suicídio nunca será o melhor caminho, imagino o quão doloroso deve ser para alguém ser vítima de uma situação como a que está acontecendo atualmente com o Brasil, bem diferente de um suicídio por honra em decorrência de um desvio de caráter pessoal”, discorre o jornalista. 

Embora a desonra não interfira na estatística de suicídios no Brasil, os números são altos no país. Cerca de 12.000 pessoas tiram a própria vida por ano e mais de 90% dos casos de suicídios estão relacionados com doenças psiquiátricas que podem ser tratadas. O Brasil é o oitavo país com mais suicídios no mundo, embora a taxa de seis suicídios para cada 100 mil habitantes esteja abaixo da maioria dos países. “No Brasil temos outro tipo de cultura. Diz-se que no Japão há uma cultura baseada no sentimento de vergonha, voltado para a reação da comunidade. O Brasil, como boa parte dos países ocidentais, tem uma cultura mais fundada no sentimento de culpa, mais individual. Tanto que um único suicídio, o de Getúlio Vargas, marcou nossa história, até pela raridade da prática”, contextualiza a psiquiatra e professora associada do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Ufba (Universidade Federal da Bahia), Miriam Gorender. Para a psiquiatra, no entanto, a subnotificação é muito grande e a taxa real seria no mínimo o dobro da oficial, embora não existam registros de atos cometidos por desonra. “É muito incomum o suicídio por desonra no Brasil. O médico psiquiatra, em qualquer dos casos, vai lidar diretamente com a doença mental de base, que ao alterar seu cérebro distorce a realidade percebida pelo paciente, e o fragiliza frente aos estresses da vida”, completa.

Embora a campanha oficial de prevenção ao suicídio termine em setembro, o Centro de Prevenção da Vida disponibiliza o a linha 141 para urgências para todos os meses do ano.

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