segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cineasta baiano com nome de gringo

Pelo nome, Benito Walter Webb Galtieri, 74 anos, parece ser um estrangeiro. Descendente de italiano e alemão, esse baiano de Jaguaquara, a 326 Km de Salvador, teve seu trabalho reconhecido além das fronteiras regionais, e hoje mora entre Washigton D.C.(EUA) e São Paulo. Diretor de produção das cenas de O Exorcista 2 gravadas no Brasil, produtor de quatro filmes de Didi (Renato Aragão), entre outros longas (e curtas), Walter Webb também se destacou no mercado publicitário, principalmente com o filme We Did - Nós Fizemos (na década de 70), premiado nos festivais de Cannes, Clio de Nova York e Grand-Prix da Irlanda.

Num bate-papo descontraído em Itapuã, Walter conversou comigo sobre o cinema baiano, do qual ele integrou o movimento Cinema Novo, sendo assistente de direção de dois filmes de Roberto Pires (A Grande Feira e Tocaia no Asfalto).




Como é estar na Bahia novamente?


Apreensivo, porque na Bahia eu nunca fui bem recebido. Depois que nós saímos daqui, eu, Glauber, Roberto, Fernando, Geraldo, Paulo Gil, Orlando Sena, os caras ficaram de bronca com a gente. Mas eu gosto (da Bahia), eu acho que essa cidade tem um potencial bom, é uma pena que o cinema não emplacou como nos anos 60, quando nós fizemos 26 filmes. Mas estamos aí, eu estou dando força para que as coisas na Bahia aconteçam

Glauber Rocha hoje é uma grande referência para o cinema baiano. Sempre ele foi bem visto aqui na Bahia?


Grande hipocrisia. O Baiano é muito hipócrita, porque Glauber foi estilhaçado aqui, o governo nunca deu um tostão a ele. A única vez que emprestou um jeep, tomaram no meio das filmagens. Glauber morava fora e nunca os baianos perdoaram isso e hoje, fica uma turminha de raquíticos do cinema a dizer que Glauber foi o grande paxá, o grande guru. Ele sempre mandou esses caras à merda porque nunca acreditou neles.

Me fale um pouco sobre o Cinema Novo...

O Cinema Novo foi tão bom que ele morreu de velho em pouco tempo. Não emplacou porque os caras não queriam mudar só o cinema, eles queriam mudar o Brasil. Os caras quiseram fazer um negócio totalmente diferente, e o público estava empurrado com a ditadura militar, então ou apoiava a ditadura ou assistia o Cinema Novo. O Cinema Novo fez o que pôde, mas serviu para evidenciar nomes de grandes diretores como Glauber, Saraceni, Leon Hirszman, Marcos Faria, Carvana, Antônio Carlos Fontoura e muita gente boa. O Cinema Novo foi a porta de abertura para muita gente, eu inclusive tirei uma casquinha dela com a Grande Feira e Tocaia do Asfalto. Mas foi um cinema que teve sua época e espero que aquela filosofia não volte mais.

Em qual cultura você gosta mais de trabalhar no cinema?

Eu gosto muito do esquema americano, porque tem o produtor que manda no filme, o diretor geral é o contratado, ao invés do Brasil, que quem produz o filme é o diretor, que através da Lei do Audiovisual, consegue os financiamentos pelo seu currículo. Então ele contrata o diretor-executivo, como eu, para administrar o filme. Eu acho que isso ainda é um entrave, porque as pessoas não se empenham em fazer roteiros livres e universais, e ficam ainda presas e apegadas ao regionalismo, que é uma coisa muito chata. Repare que os filmes baianos são em sua maioria regionais, feito para a Bahia. Você vai passar o filme em outro lugar e ninguém vê, porque é coisa para a Bahia. Isso tem que mudar, é preciso fazer filmes com temas livres, universais. Como no Brasil você não põe o seu dinheiro, você põe o dinheiro do governo, o cara se dá ao luxo de escrever sua própria história, as vezes muita merda, e faz um filme que nunca será exibido. Há 435 filmes na Rio Filmes sem nenhuma condição de exibir por questões temáticas e formais. Isso não significa que não tenhamos bons roteiristas e até bons diretores que façam roteiros bons, mas a maioria são gente medíocre.

Você já fez muitos comerciais exibidos na TV. Qual a diferença entre fazer um filme e um comercial e o que vale mais a pena?

O comercial é uma grande escola, você faz seis, sete comerciais por mês, tem acesso à pós-produção e coisas maravilhosas, equipamentos de finalização de filme que num longa no Brasil não tem, em que a edição é feita de forma analógica. No comercial, se usa digital o tempo todo. Eu sempre gostei de fazer comercial, fiz mais de 600, tenho prêmios, em Cannes, Clio de Nova York, Grand-Prix da Irlanda. Para mim foi um grande caminho, que me deixou no cinema até hoje e que me dá sustento.

Qual a diferença entre o produtor, roteirista e diretor?

A minha função é de produtor. O produtor é o homem que bota dinheiro ou administra dinheiro, que é o meu caso. Eu sou o durão que recebo o dinheiro dos outros para administrar. O cara me dá 2 milhões para administrar o filme e eu vou administrar. O roteirista é a pessoa responsável para fazer a história do filme e o diretor é a pessoa que vai dar vida e corpo ao roteiro, ao plano e a produção. Tem que haver uma grande empatia entre o roteirista, o produtor e o diretor, se você quiser ter um bom resultado visual e também comercial.

Há uma certa richa entre cineastas e críticos de cinema?

Crítico de cinema em geral é amigo, mas na Bahia existem as igrejinhas. Aqui sempre houve um pessoal contra Walter da Silveira, Glauber... Eu fui crítico na época, fazia parte de um grupo com Plínio de Aguiar, Paulo Valadão, Milton Chagas, Pessoa Esteves e Nílton Rocha. Mas tinha um grupo liderado pelo pessoal do jornal A Tarde, na época com José Berbert, que fazia uma guerra enorme contra a gente, mas nós sempre conseguimos dar a volta por cima, e nós tínhamos o clube de cinema na mão. A crítica na Bahia sempre foi provinciana, isso aqui é uma província e ainda está no Século XVl.

Uma última pergunta: quais dicas você dá para quem quer ser produtor, diretor, roteirista e ator de cinema...

Ter muita perseverança, talento, criatividade, e três fatores importantes: muita imaginação, muita imaginação e muita imaginação, aí eles vão embora.

2 comentários:

Orlando disse...

Esse cara é um profundo conhecedor de cinema. Mas o acho ainda um tanto quanto portador de humilde. Além de tudo contido na entrevista, ele trabalhou com nomes famosos na Europa e EUA, entre os quais Roberto Faenza, Wolfgan Schleiff, Larry Kent, Francis Ford Coppola, Nicholas Ray, Anthonny Mann, etc. Sem falar da sua extrema paixão pela humanidade e pela vida.

Orlando Santos
Salvador_Ba.

Felipe Brida disse...

Parabéns pela ótima entrevista, Lucas.
Sou um grande amigo e (e também admirador, lógico) de Webb. Além de conhecedor profundo do cinema brasileiro, é de uma dignidade e simpatia incríveis.
Como sempre falo ao Webb, somos 'colegas de festivais de cinema' - já que sempre nos trombamos por aí, como em Goiânia e em Anápolis, recentemente.
Um abraço forte, sucesso!
OBS: Conheça meu blog: http://cinema-naweb.blogspot.com
E me adicione no twitter. Sempre trago boas dicas de cinema (@Felipebrida)