O que o início da era Meiji pode ter haver com o fechamento de um jornal do outro lado do Mundo no meio do século XX? A correlação entre os fatos são meramente poéticas: o fim do Jornal da Bahia, da cidade de Salvador, em 1995, foi fruto de uma longa perseguição política que visava acabar com o principal instrumento de resistência contra o regime ditatorial da época, não é a toa que João Falcão, seu fundador, descreveu a perseguição contra o seu jornal como “o maior crime contra a liberdade de imprensa de que este país já teve notícia desde o início de sua história republicana”.
Sendo “o maior crime contra a liberdade de imprensa de que este país já teve notícia desde o início de sua história republicana” ou não, o fato é que o jornalismo independente do Jornal da Bahia incomodava o regime militar tanto quanto os samurais incomodavam os industriais japoneses pré-era Meiji. Antes de ser a potência econômica atual, o Japão foi por muito tempo um país feudal, onde uma casta de guerreiros milenares, os samurais, defendiam um código de honra que era contra a modernização do Japão. O filme ‘O último Samurai’, do diretor Edward Zwick, mostra as aflições do Japão dessa época, em que seu Império contratava estrangeiros para treinar camponeses a usar armas de fogo importadas para enfrentar os samurais, que mantinham a tradição usando armas arcaicas e no final do filme, o último sobrevivente dentre os samurais, o Capitão Algren (interpretado por Tom Cruise), foi o responsável pelo ‘final feliz’: o imperador Meiji não assinou o tratado com Omura, um industrial ambicioso que buscava a modernização do Japão, passando por cima de suas tradições e cultura.
O regime militar do Brasil, que começou em 1964 e durou três décadas, também foi um período de intensa ‘modernização nacional’: os militares passaram por cima de todas as convenções necessárias para uma democracia a fim executar ações com o mínimo de questionamentos possíveis, por isso tantos veículos jornalísticos sofreram tanto com a ditadura que matava, seqüestrava, mandava ao exílio e fechava portas de tantos jornais críticos. A devastação foi tão grande que, se nos anos 50 e 60 cinco jornais diários circulavam em Salvador (Diário da Bahia, Jornal da Bahia, Estado da Bahia, Diário de Notícias e A Tarde), apenas um dessa época ainda sobrevive aos dias atuais: o A Tarde. Durante a ditadura foram fundados os outros dois jornais que completam a lista dos três atuais impressos da cidade de Salvador: o Tribuna da Bahia, em 1969 e o Correio da Bahia, em 1978.
Se no filme do diretor Edward Zwick o grande vilão era Omura, o ambicioso industrial que desejava o fim dos samurais para que não houvessem obstáculos para a modernização japonesa, o nomeado governador da Bahia pelo regime militar Antônio Carlos Magalhães tratou em terras tupiniquins de fazer ações que não reconhecem fronteiras: riscar do mapa o ‘inimigo’ no melhor estilo Sun Tzu em “A Arte da Guerra”. Não foi um desafio fácil para o regime, e pior que isso: deixaram marcas visíveis, manchando para sempre os até hoje impunes colaboradores da covarde perseguição contra a democracia, e nesse caso especificamente, contra a liberdade de imprensa. Se no Japão do Século XIX existisse uma imprensa pró-samurai, os industriais não fariam diferente dos militares do Brasil do período militar, mas talvez conseguissem algo que a ditadura militar brasileira não conseguiu: esconder as cicatrizes de tempos tão injustos com o trabalho jornalístico sério. A história do Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 estão devidamente registradas, e no caso específico do Jornal da Bahia, dois livros ilustram bem os tempos onde nem a força da capoeira baiana conseguiu vencer os fuzis silenciadores dos homens camuflados: “Memórias das Trevas”, de Teixeira Gomes e “Não deixe esta chama se apagar – história do Jornal da Bahia”, de João Falcão.
A chama não se apagou por completo: a Bahia perdeu um grande jornal, mas quem tentou apagar o fogo da democracia jamais será esquecido. Conhecer a história é uma forma de prevenção para não mais cometer erros antes praticados. O Jornal da Bahia é o Último Samurai do Jornalismo Baiano, que trouxe consigo, assim como os samurais, uma série de ensinamentos (por exemplo a introdução de diagramação prévia, o uso do lead e uma embrionária organização das matérias em editoriais, como descreveu Jussilene Santana no livro ‘Impressões Modernas – Teatro e Jornalismo na Bahia). Um jornalista independente é um pouco samurai: torcemos para que não sejamos os últimos.
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Há 2 dias
Um comentário:
ótima postagem miseraveta!!! ficou boa mesmo!
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