quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O humor brasileiro através dos tempos

Adnet, Marcius Melhem (ex-Zorra Total) e Oscar Freire (ex-CQC) - Imagem: Caiuá Franco/TV Globo
Rir e fazer rir são conceitos universais. Os métodos para tanto, porém, mudam a cada geração. O que fez nossos pais caírem na gargalhada há décadas pode causar repúdio em nossos filhos, por exemplo. Como o humor pode explicar as mudanças de comportamento no Brasil? O mundo está ficando mais “chato” ou os humoristas são mais exigidos?

O grande desafio dos humoristas na atualidade é fazer rir sem serem ofensivos. A nova geração do riso traz novos personagens ou antigos nomes de peso que precisaram se repaginar. Os alvos das piadas de ontem e hoje se inverteram. 

O novo “Zorra”, Marcelo Adnet e Porta dos Fundos são exemplos da nova geração que já não fazem rir através de trapalhadas ou do humor politicamente incorreto. Lá se vai todo um “legado” deixado por Os Trapalhões, TV Pirata, Escolinha do Professor Raimundo, Sergio Mallandro, Casseta e Planeta, Zorra Total, Jackass, Pânico na TV e CQC, sem falar de seriados consagrados. O humor nacional, que se distingue do humor de outros países e do humor regional*¹, surge quando os veículos de comunicação de massa aumentam sua área de cobertura, do Caburaí ao Chuí. Primeiro com o rádio e a televisão, posteriormente com canais de You Tube e páginas no Facebook. No momento, o humor brasileiro está na sua quarta fase.

1: Fase “Trapalhona”

Para fazer rir dos anos 60 aos 2000 era preciso demonstrar ser “bobão”. Não havia conteúdo político nas piadas, já que boa parte dos profissionais do riso surgiu no período da ditadura militar. A sentença “Você conhece Marta? Então parta” se eternizou e é repetida mesmo pelas gerações que nunca viram TV Pirata, como a minha. Já Renato Aragão (ex-Trapalhões), Chico Anysio (ex-Escolinha do Professor Raimundo) e Sérgio Mallandro tiveram que se reinventar para não cair no ostracismo.

2: Fase da “Flagelação e Erotismo”

O público cansou de cenas de “mentirinha”. A partir dos anos 2000, o humor se tornou apelativo. Para fazer o outro rir era preciso se dar realmente mal. O programa “Domingão do Faustão”, da Globo, já havia lançado uma semente na década anterior com as “Vídeo Cassetadas”, mas o formato do programa era “familiar”, o que impedia de levar a flagelação a participantes do próprio programa. Em contrapartida, seus concorrentes, que tampouco se dedicavam exclusivamente ao humor, passaram a lançar quadros recheados de flagelação e erotismo, como o “Programa H”, da Band, com Tiazinha arrancando suspiros e risadas a cada vez que depilava um homem, e a Feiticeira, apenas arrancando suspiros, além do “Domingo Legal” do SBT com a “Banheira do Gugu”, que provocava suspiros, risos e suspense. Se é questionável o fato de esses programas serem considerados de humor, o “Pânico na TV”, até então na Rede TV, se aproveitou dessas fórmulas e rompeu a barreira dos rótulos ao encaixar humor e erotismo no mesmo programa com ainda mais apelação. A falta de conteúdo nas piadas (ou tentativas de piada), porém, fez o formato se desgastar e com isso houve o declínio da fase 2 do humor brasileiro.

3: Fase do “Humor Político”

A semente já havia sido plantada com o Casseta & Planeta, nos anos 1990. Oriundo da fusão de duas publicações impressas, o programa das terças-feiras da Rede Globo fazia deboche dos poderosos, mas na mesma intensidade ironizava as minorias, o que em alguns quadros não o tornava muito diferente do Zorra Total*². 

O site do cartunista Maurício Ricardo, Charges.com.br, fortaleceu ainda mais a fase que viria a seguir, que trocaria flagelação e erotismo por conteúdo político. No entanto, o tempo de semeia da fase 3 foi mais longo do que o seu período em si. O CQC, da Band, consolidou a fase do “Humor Político” com sua incrível audiência nas noites de segunda-feira a partir de 2008, com um formato em que os integrantes do programa faziam denúncias reais sobre problemas estruturais nas cidades, além de se infiltrarem no Congresso e em eventos de celebridades. Tudo isso arrancando gargalhadas dos telespectadores.

Os brasileiros se sentiam vingados. O humor político fazia coisas que nem o jornalismo se atrevia. Mas sua fase não perdurou pelo mesmo motivo da fase 2: o formato se desgastou porque o mundo mudou e os humoristas em questão não souberam se adaptar às mudanças. No lugar disso, preferiram bater de frente com o público que outrora o consagrou. Danilo Gentili e Rafinha Bastos passaram a se destacar em shows de stand up comedy, mas foram longe demais no quesito “romper barreiras do humor” e feriram minorias que passaram a ter voz e não toleraram piadas politicamente incorretas.

4: Fase do Humor Politicamente Correto

Em seu artigo “Carta Aberta às Humoristas do Brasil”, o colunista do Papo de Homem, Alex Castro, defende que “Não existe piada inofensiva: se alguém gargalhou é porque alguém se deu mal”. No entanto, reforça que “A questão é: quem se dá mal nessa piada?”.

No lugar de piadas que ridicularizam mulheres, negros, portadores de necessidades especiais e homossexuais, a nova geração do humor passou a satirizar machistas, racistas, homofóbicos e poderosos. Roteiristas precisaram se reinventar e novas caras surgiram. O novo formato do Zorra, na Globo, tem auxílio da equipe do site de humor “Sensacionalista”*³. Também na “plim plim”, Adnet passou a fazer sátira da própria televisão no programa “Tá no Ar”, e até alfinetou eleitores de direita, algo impensado de se fazer na emissora décadas atrás. 

O canal de You Tube “Porta Dos Fundos” já satirizou igrejas, polícia, comportamentos preconceituosos, injustiças do mercado de trabalho e até anti-petistas que o ameaçaram de boicote. Nem toda a repaginada, no entanto, imunizou o canal de críticas dos setores que exigem humor politicamente correto.

Um eventual enfraquecimento desse formato pode se dar por conta da bipolaridade que se encontra a política do país. Alguns humoristas dessa quarta fase são acusados de serem partidaristas e defensores incondicionais de políticas de esquerda. Esse formato atual tem data de validade? O que viria depois? Rir e fazer rir já não é tão fácil como antes. Que bom. 


*¹ O humor baiano cresce cada vez mais, mas o tema da postagem é humor brasileiro, que atinge todo o país. Cada estado tem seus humoristas, que contam piadas que muitas vezes só podem ser compreendidas por seus conterrâneos.

*² O Zorra Total tem o formato da fase 1, mas surgiu em um período em que as outras fases já preparavam terreno para dominar a programação da TV, como a fase 2, com as Cassetadas do Faustão como precursor, e a fase 3, com o Casseta & Planeta como principal introdutor do humor com conteúdo político a nível nacional, já que a televisão unificava o país como publicações impressas e rádio jamais conseguiram.

*³ O “Sensacionalista” é o principal site de humor da história que não usou recursos de áudio-visual. Seu fortalecimento se deu através das redes sociais, especialmente o Facebook. Outras páginas viveram grandes momentos, mas não conseguiram se manter por um período tão longo no auge, como “Esse É Alguém” e “Bode Gaiato”. Canais de You Tube, por sua vez, não se configuram como site ou página. 

Nenhum comentário: