sábado, 8 de outubro de 2011

O que é paixão o tempo não apaga

Fenômenos pop passaram a existir quando tecnologias se tornaram capazes de expandir informação com mais abrangência. O rádio criou mitos como Elvis Presley e Frank Sinatra, cultuados até hoje. Com o tempo, o mercado passou a produzir ídolos descartáveis em larga escala. Minha tia foi fã dos Menudos, banda porto-riquenha de muito sucesso entra as garotas dos anos 80. Hoje, lhe restam apenas lembranças, sem nenhuma incondicionalidade ou fervor.

"Justins Biebers" estão fadados a sumirem e suas fãs, a tratarem tais ídolos como tolices da juventude. O que é paixão o tempo não apaga, e hoje, parece faltar paixões duradouras no mundo. Em meio a tantas relações artificiais, os clubes de futebol tradicionais dão uma aula de como se eternizar o sentimento, incondicional enquanto vivermos.

Bahia x Harry Potter

Nos cinemas de Salvador, o documentário “Bahêa Minha Vida” bateu o último filme da série Harry Potter em pré-venda de ingressos na semana de estreia. Mais do que justo. De um lado, milhões de torcedores representados em 80 anos de história do Esporte Clube Bahia. Do outro, uma saga que completou uma década nos cinemas e que, futuramente, será apenas uma lembrança, sem continuidade e fervor, que fez “apenas” 600 soteropolitanos comprarem com antecedência os ingressos para assistirem o bruxinho mais querido do pedaço. Enquanto isso, 1.000 tricolores garantiram suas entradas para transformarem as salas de cinema em arquibancadas.

Desrespeito ao torcedor

Os próprios clubes de futebol correm riscos de acabarem com suas torcidas. A cada vez que o preço do ingresso sobe, tenha certeza, a arquibancada vai perdendo parte do seu tempero. O “embranquecimento” da massa é percebido de longe. Um país miscigenado como o Brasil não comporta um só tipo de torcedor, mas ao que parece, os cartolas estão excluindo o povo da festa, assim como já fizeram na Inglaterra, onde o valor das entradas é tão obsceno que o torcedor comum passou a adotar os pubs como os locais para acompanhar sua paixão, enquanto os estádios parecem cemitérios, em que sentar na cadeira é a única alternativa para acompanhar a partida. Futebol não é teatro, cinema ou concerto. Futebol é festa, emoção, gritaria e pulos. É o momento em que ricos e pobres podem se abraçar, sem se conhecerem, porque todos estão ali unidos por uma só energia.

Há tempos a Federação Paulista de Futebol tem se esforçado para dar um perfil careta aos torcedores com a regra do “não pode”: não pode entrar com bandeira com mastro de bambu, não pode levar instrumentos, não pode isso, não pode aquilo. Ora, num momento de uma briga entre torcidas, o mais inusitado será ver alguém segurar um enorme bambu, difícil de manejar, para acertar a cabeça do rival. Sejamos razoáveis: há outras armas muito mais letais, e a ausência de bandeiras e música só deixa o espetáculo sem tempero. A maioria das brigas entre torcedores são protagonizadas pelos membros das chamadas “organizadas”, e esses não necessariamente escolhem o estádio como campo de batalha. Qualquer lugar é propício para marcar um acerto de contas.

O lado bizarro do futebol

Nem todo clube de futebol mobiliza as multidões. Hoje em dia, futebol virou um negócio lucrativo. Os empresários da bola não dão bobeira e compram significativo percentual dos direitos federativos dos atletas, que se tornam reféns das ambições dos seus agentes e acabam deixando um clube, onde a longo prazo poderia se chegar ao estrelato, para ganhar dinheiro fácil em países onde a isenção fiscal permite que jovens recebam promessas “irrecusáveis”. O jogador, que já poderia ter um farto pé de meia, não recebe orientação do empresário e torra a fortuna sem pensar no futuro e corre o risco de desaparecer do mapa da bola. Os mais prejudicados, no entanto, são os clubes, que fazem dívidas enormes para equiparar bons salários com “jogadores de aluguel”, pertencentes a empresários que não abrem mão de ceder parte dos direitos federativos por uma grana preta.

Americana, BOA Esporte e Grêmio Barueri não acrescentam nada para o nosso futebol. São clubes que deslocarão sua sede para outra cidade quando foi conveniente, não se importando em criar identidade em lugar algum, pois acreditam que não tem torcedores. O Grêmio Barueri passou a ter um clube de futebol profissional em 2001. De lá pra cá, saiu da sexta divisão de São Paulo até a elite do futebol nacional e estadual. Já no topo, preferiu por mudar-se para a cidade de Presidente Prudente, a 587 km. Os habitantes de Barueri se revoltaram, muitos disseram que passariam a torcer contra o “Grêmio Itinerante”. Mas a passagem pelo oeste paulista durou apenas um ano e meio, e nesse semestre, a equipe voltou para Barueri. Fosse eu barueriense, odiaria o retorno. Até o ano passado, o Boa Esporte, hoje de Varginha, era de Ituiutaba, e o Americana era de Guaratinguetá.

Quem torce por esses times acha que está apoiando sua cidade, quando na verdade eles estão pouco se lixando para seus habitantes. Há quem vá ao estádio secar os rivais, e eu vos digo: mesmo sendo Bahia, é melhor ver um BaVi na Séria A do que esses três itinerantes. Nem todo time do interior merece desprezo. Guarani e Ponte Preta de Campinas, Juventude e Caxias de Caxias do Sul e Criciúma de Santa Catarina têm alma, mudam trajetórias de vida, fazem pessoas rirem ou chorarem. Não importa aí a quantidade, e sim a fidelidade que cada um sente. Não sou a favor de se torcer por um time tão longe de sua cidade, afinal, que identificação você sentirá pelo Flamengo se nunca foi ao Rio de Janeiro? Porém, há gente esperta demais tentando manipular um sentimento tão bonito quanto a paixão. E o brasileiro do interior deve ter cuidado para, de uma hora para outra, não ver seu patrimônio migrando para longe de seu raio de alcance. Pois se isso acontecer, você estará tão perto do seu clube quanto de Justin Bieber.

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