domingo, 6 de fevereiro de 2011

Eu deveria entrar em jogo do Bahia de graça

Nem toda regalia é merecida, mas acho justo que idosos, deficientes físicos e gestantes tenham vagas de estacionamento exclusiva, além de preferência no elevador. Em Goiás, descendentes de índios entram de graça no estádio e no Chile, a Universidad de Chile deciciu dar ingressos vitalícios para os onze mineiros que ficaram mais de dois meses esperando resgate do governo e são torcedores do clube. Bom, mas porque eu mereço entrar de graça em jogos do Esporte Clube Bahia?

Não só eu, mas todos os tricolores nascidos entre 1988 e 2002 merecem uma regalia pelo sofrimento que a nossa geração teve que encarar. Nós nunca vimos o Esquadrão de Aço ser campeão brasileiro, passamos a maior parte da juventude vendo o nosso time de coração longe dos holofotes e ainda assim sobrevivemos moralmente, a ponto de hoje estarmos felizes. Se nos próximos anos o Bahia conquistar mais títulos nacionais, voltar a dominar a região e passar a produzir craques como antigamente, minha teoria estará concretizada: quem nasceu entre 1931 - ano de fundação - e o começo da década de 80 pegou o "filé migon", e os que vieram ao mundo a partir de 2002 foram poupados das provocações na fase mais crítica, a infância, onde a criança ainda pode virar a folha, pois até os oito anos de idade a noção do futebol ainda é ingênua e otimista, passando disso, a ficha cai e começam os questionamentos (Porque meu time não está no álbum de figurinhas e no Winning Eleven?), o que faz uma geração ganhar as características dos times vencedores, embora aqui em Salvador, o Bahia fugiu a regra e continuou produzindo torcedores.

Jamais pensei em virar a casaca, e sofri com os dois rebaixamentos no período de seis anos, além de sentir na pele a eliminação na primeira fase da Copa do Brasil para times como Ceilândia e Icasa e passar uma década sem gritar "é campeão" [no estadual]: na última vez que isso aconteceu, o presidente da república era FHC, as Torres Gêmeas estavam de pé e eu não pude divulgar a minha euforia pela conquista nas redes sociais. Não me envergonho de dizer que fui sofredor, e até me sinto mais feliz com essa condição. Há um certo romantismo na incondicionalidade de insistir em uma ideia e vê-la vingar a longo prazo. O amor platônico subverte a realidade: há quem diga que um grande amor só pode ser bonito quando não pode ser realizado. Bom, estou doido para ver meu Esquadrão de Aço campeão esse ano, mas se eu pudesse voltar atrás para mudar o destino de algumas das desventuras do tricolor na perdida década de 2000, eu não mudaria: assim a história se fez e estamos aqui, e como no filme Efeito Borboleta, uma simples mudança no passado poderia nos tirar totalmente do cenário atual, e a ideia agora é pensar no hoje.

Eu vi a Seleção Brasileira, que disputa no máximo dois torneio por ano – isso quando disputa algum torneio numa temporada - levantar mais canecos do que o Bahia, que no mínimo joga três campeonatos anualmente. Eu vi a Canarinha papar duas Copas do Mundo, quatro Copas América e três Copas das Confederações, nove conquistas ao todo. Já o Esquadrão de Aço, faturou três Baianões e duas Copas do Nordeste – eu me recuso a contar o Baianão de 99, uma prova da covardia dos nossos dirigentes, e a medíocre Taça Estado, em 2007. Mas não conheci muitos estrangeiros aqui por Salvador, e sem eles por perto, não se pode falar em rivalidade entre seleções nacionais, em discussão futebolística do tipo "meu Brasil é melhor do que o seu país por isso, isso e aquilo".

Por tudo que passei, volto a repetir: mereço entrar em Pituaçu de graça, afinal, se os mineiros do Chile ficaram menos de três meses no buraco, eu apenas vi o meu time sair dele no ano passado, quando, no campo, conseguimos o nosso sonhado acesso. Que tenhamos dias melhores, para a felicidade de todos os tricolores da minha geração e para a concretização da minha tese. Afinal, quem não viu Douglas, Beijoca, dentre outros, continuará cultuando Uéslei e Preto Casagrade - bons jogadores, mas não eram craques - até que uma nova safra vingue.

*Esse é um texto de humor, e não uma proposta séria para permitir entrada gratuita para a minha geração.

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