terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O dia em que a zebra passeou pelo deserto


O Internacional, com toda a sua tradição e torcida, perde um jogo decisivo para um "azarão". Qualquer semelhança com a derrota na final do Brasileirão de 1988, não é mera coincidência. O Bahia assombrou o país, até hoje com tantos preconceitos regionais, e muitos colorados não conseguiam admitir a derrota para um time nordestino.

O Mazembe, da República Democrática do Congo, apenas jogou futebol. Não bateu, não catimbou, mas também não brilhou. Surpreendeu mais pela maturidade como encarou a partida, respeitando o rival sem partir para cima, deixando-o tocar bola no campo de defesa sem pressionar sua saída. Já o Internacional, jogou nervoso, concluiu mais para o gol, mas não contou com a participação decisiva dos seus meias (D'Alessandro e Tinga) e com a lucidez do técnico Celso Roth, que demorou para mexer na equipe, já perdida em campo ao levar o gol da equipe africana (Kabangu, aos 7 do segundo tempo).

Aos 20 minutos, Leandro Damião foi a alternativa no ataque, no lugar do apagado Alecsandro, e o melhor jogador da Libertadores, Giuliano, tentou mais um "milagre" (semelhante ao gol contra o Estudiantes, da classificação para as semi da Libertadores faltando 5 minutos) logo após substituir Tinga: o chute foi fraco e o goleirão Kidiaba defendeu.

Uma equipe sul-americana jamais havia ficado atrás do marcador contra uma equipe não-européia em mundiais, e pior: jamais os sul-americanos perderam para não-europeus desde que a FIFA criou o tão democrático "FIFA Club World Cup". Aos 40 do segundo tempo, o fechamento do caixão: Kaluyituka marcou e decretou a vitória africana por 2 a 0.

O dia em que a zebra passeou pelo deserto ficou marcado por muita choradeira. Lindas coloradas choravam a inesperada derrota do time de coração, e eu, assitindo pela tv, tinha a vontade de colocá-las no colo e consolá-las.

As cores da camisa do Mazembe, listrada em preto e branco na vertical, lembrava muito o animal africano associado aos resultados improváveis. Em pleno ano de Copa do Mundo no continente africano, não foram poucas as reportagens tratando da selva africana, com leões, elefantes e tantos outros bichos que se associaram tanto à imagem dessa Copa do Mundo de 2010.




As seleções do continente não foram bem no torneio: apenas Gana passou da primera fase. Mas por muito pouco não consegue a façanha inédita de levar o continente às semi-finais do torneio mais importante do planeta, por apenas uma cobrança de pênalti, desperdiçada por Gyan no último lance da prorrogação contra o Uruguai.

No mundial de clubes, a África se vingou da América do Sul. A partir de agora, a imprensa (generalizando) deve ser mais cautelosa para sugerir a final do mundial, pois se não havia precedentes de uma decisão sem sul-americanos, tudo tem a sua primeira vez, e não será a única - a não ser que esse torneio deixe de existir. Quando nós, sul-americanos, vencemos os europeus, costumamos pensar "eles não são essas coisas todas". E agora, será que os africanos não pensam o mesmo de nós? Porque temos dificuldade de assumir que nossa vitória sobre o velho continente depende do demérito dos "melhores jogadores do planeta" (afinal, seus clubes podem pagar para ter os maiores talentos) e que a vitória de um clube africano é puramente demérito nosso? Para Noriega, que comentou o jogo na Sportv, "time brasileiro não pode perder para time africano".

É compreensível o sentimento de frustração dos colorados, assim como a alegria dos gremistas, que conseguiram a vaga para a pré-Libertadores (graças à derrota do Goiás na final da Copa Sul-Americana) e de quebra viram o rival cair muito antes do que esperavam nessa competição. Arrisco dizer que pior seria se o Inter caísse na semi-final do mundial de clubes de 2006: ainda estigmatizado pelo apelido "inter-regional" (o único título internacional do Inter até ali fora a Libertadores daquele ano), os colorados ficariam com "complexo de vira-latas" até que se conseguisse o mundial um dia (e ficaria mais difícil depois de um trauma desse porte), mas o Inter já foi campeão mundial e tem que enxergar isso como um acidente, e não uma catástrofe, e numa próxima oportunidade, o Inter pode vencer novamente o torneio.

Que o resultado de hoje (Mazembe - 2 x 0 - Internacional) diminua a bola dos que palpitam demais e analisam de menos (até porque tem muito cronista esportivo que não se deu ao trabalho de pesquisar sobre o Mazembe). Antes desse torneio começar, havia quem dissesse que a semi-final seria Pachuca x Internacional (o Mazembe nem existia na opinião dessas pessoas). Logo, quem garante que todo time brasileiro na pré-Libertadores conseguirá vaga na fase de grupos? Nada como um dia após o outro: quebra de paradigmas pode acontecer a todo momento.

Foto do Mazembe: Reuters

Fotos da torcedora: Jefferson Bernardes/VIPCOMM

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