quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Você sabe muito!

Como pode um garoto de favela ter tanto conhecimento geral a ponto de ganhar num programa de perguntas e resposta o equivalente ao que geralmente um intelectual ou doutor ganha? A verdade é que, embora a leitura seja importantíssima, a maior parte do conhecimento de nossas vidas vem das nossas próprias histórias, e vivendo o inesperado ao mesmo tempo em que se escolhe que trilha seguir faz com que possamos construir nossa própria bagagem, uma bagagem de informação própria, que nos ajudará para os futuros desafios da vida.
São essas e várias outras reflexões que o filme ''Quem quer ser um milionário?''(maior ganhador do Oscar esse ano, está estreiando no Brasil essa semana) passa. Ganhar muito dinheiro é um valor universal? Ou é cultural? E sendo cultural, podemos renegar tal valor? Nós seres humanos, embora submetidos a um conjunto de normas sociais, podemos transgredir a trilha que nos empurram, e escolher que caminho nos levará depende de nossas crenças, e acima de tudo, de nosso coração. Afinal, quem não ouviu a famosa frase ''Siga o seu coração?".
Pessoas não são folhas de papel em branco em busca de se preencher desenhos da modernidade: por mais que busquemos nos enriquecer com novas histórias, as histórias passadas não nos abondona, e Jamal (o protagonista do filme) não fez nenhum esforço para usar de suas sofridas lembranças em prol de uma causa mais nobre do que a maioria das pessoas imagina que seja: lembrar das perguntas de um 'game-show' e acertá-las não é prova de genialidade, afinal, ele é um representante do povo que conseguiu vencer. Não fugimos da nossa história: quando menos esperarmos, ela virá até nós, fazendo nos lembrar quem somos, fazendo-nos perceber que memórias tristes não devem ser apagadas, e sim lembradas para ser usado a nosso favor quando precisarmos.
O ser humano é capaz de mudar? O filme '16 Quadras' prova que sim, e eu realmente acredito, embora não seja algo tão certo, e que boa parte de nossa índole se constrói na infância, e é baseado nisso que as histórias de Jamal (personagem principal) e Salim (seu irmão) são tão diferentes: eles são uma fiel representação do símbolo oriental 'Yang', onde metade de um círculo é preto com parte branca e a outra metade o inverso. Confiamos na bondade, mas não devemos esperar sempre a pureza, assim como estamos sempre alerta para a maldade, embora possamos abrir exceções para o 'renascimento' de alguém que busca agir melhor.
'A visão romântica de um mundo perdido': essa frase é extremamente controvérsa, embora o romance muitas vezes venha em um deserto, e de onde menos se espera, haverá água, e não é miragem, embora o calor da realidade nos force a sempre desconfiar, e com razão. A miséria da Índia contrasta com a busca de Jamal por uma vida melhor, e sua teimosia é extremamente positiva, e parte dela é demonstrada em suas ações tomadas por base da emoção (que é tão digno como a razão) em prol da mais nobre causa da história, e apenas vendo o filme vocês saberão qual é.
Me deixou muito feliz esse filme ter ganhado tantos Oscars, especialmente o de Melhor filme. Não que eu ache os critérios da academia de cinema americana justa: o circuito não comercial tem muito mais espaço em outros festivais, onde se valoriza critérios que fogem da forma industrial americana de pensar, a exemplo das cenas monótonas que muitas vezes trazem o espectador a uma reflexão consigo mesmo e pensando assim, ele chegará a um lugar não acostumado a ir com o cinema hollywoodiano, que mastiga conteúdos para serem digeridos pela grande massa.
A felicidade maior do prestígio de "Quem quer ser um milionário?" é que o elenco é indiano e conta uma história que foge dos moldes ocidentais, nos arrastando a um mundo de diferenças, mas acima de tudo, semelhanças. Semelhanças, porque somos seres humanos, portadores da mesma necessidade de amar e ser felizes, seja em Los Angeles ou Bombaim. Pode ser apenas um surto de mudança de mentalidade da academia, mas de qualquer jeito, é para se comemorar tal feito, e é de se vibrar por tão interessante filme, bem feito sem deixar de lado suas raízes culturais, fazendo-nos unir pelas semelhanças e não nos separarmos pelas diferenças.

Não se assuste com os desafios da vida: muitas das respostas que você precisar estarão dentro de você, e você nem sabe disso

Essa postagem foi...
A-Satisfatória
B-Boa
C-Excelente
D-A melhor do blog

*Apenas uma brincadeirinha com o tema do filme, que é um jogo de perguntas e respostas.

5 comentários:

Luana Marinho Nogueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luana Marinho Nogueira disse...

O q eu achei mais lindo
no filme é a "lição"
de nunca desistir do Amor,
do amor verdadeiro!
Afinal, Jamal não queria
ganhar os 20 milhoes de rúpias,
ele queria participar do
programa na esperança
que Latika o visse. Ou seja,
a maior riqueza q ele poderia
ganhar era a chance de se reencontrar com sua amada.
=)

Alter Ego disse...

"Pessoas não são folhas de papel em branco em busca de se preencher desenhos da modernidade: por mais que busquemos nos enriquecer com novas histórias, as histórias passadas não nos abondona" gostei muito dessa parte.

O ser humano é movido tanto pelo ódio, quanto pelo amor. Em alguns o primeiro sentimento floresce mais, em outros o amor é o que vem em primeiro plano. Diferente do homem medieval, em que afirmava que nascendo plebeu seria sempre pebleu, ou seja, um crescimento social horizontal, nunca vertical,levando a não mudar o rumo da sua vida, hoje percebemos que nossos caminhos nós escolhemos. Talvez, seja fácil apenas falar que todos merecem uma segunda chance, mas ao depender do "pecado" cometido pelo homem ficamos chocados, afinal julgar é sempre mais eficiente.

Juliana Correia disse...

Lucas, adorei o texto, acho que vc, mais do que falar sobre o enredo do filme, foi atrás de captar os sentimentos que ele remete em nós e as histórias que conhecemos muito antes de conhcermos o filme... Vc falando isso, me lembrei que esse semestre eu tô lendo uns textos de Psicologia Social que discutem exatamente isso: o que é cultura? como se dá a cultura? como se processa a cultura? e no fim, é um compartilhar transmissionado de signos, de pessoas que compartilham signos - embora nem sempre compartilhem os significantes e os significados. Se vc quiser, depois me cobre e eu te empresto esses textos pra vc dar uma lida..! outro ponto antropologico que vc chama atenção e eu achei muito legal foi essa questão de sermos uma folha em branco, acho que o filme evidencia que não somos, somos na plasticidade humana a soma do que nos acontece, mas, mais ainda, numa perspectiva sartriana: somos o que fazemos com o que nos acontece e ai vemos Jamal e Salim tomarem rumos completamente opostos embora sejam muito similares em genética, em meio social, em experiencias e em cultura. Cada um fez o que pôde para lidar com o que viveu, e o resultado disso é cada um ser como é.
Ótimo texto Lucas, vc ta escrevendo super bem e tá sendo super profundo nas suas observações... parabéns! :)

Juliana Correia disse...

Lucas, adorei o texto, acho que vc, mais do que falar sobre o enredo do filme, foi atrás de captar os sentimentos que ele remete em nós e as histórias que conhecemos muito antes de conhcermos o filme... Vc falando isso, me lembrei que esse semestre eu tô lendo uns textos de Psicologia Social que discutem exatamente isso: o que é cultura? como se dá a cultura? como se processa a cultura? e no fim, é um compartilhar transmissionado de signos, de pessoas que compartilham signos - embora nem sempre compartilhem os significantes e os significados. Se vc quiser, depois me cobre e eu te empresto esses textos pra vc dar uma lida..! outro ponto antropologico que vc chama atenção e eu achei muito legal foi essa questão de sermos uma folha em branco, acho que o filme evidencia que não somos, somos na plasticidade humana a soma do que nos acontece, mas, mais ainda, numa perspectiva sartriana: somos o que fazemos com o que nos acontece e ai vemos Jamal e Salim tomarem rumos completamente opostos embora sejam muito similares em genética, em meio social, em experiencias e em cultura. Cada um fez o que pôde para lidar com o que viveu, e o resultado disso é cada um ser como é.
Ótimo texto Lucas, vc ta escrevendo super bem e tá sendo super profundo nas suas observações... parabéns! :)