Nem todos enxergam o futebol como eu, envolvido em tanta áurea e magia, mas certamente quando se trata de assuntos que o ligam a mercado, emoções e mobilização social, certamente em algum ponto o futebol poderá estar em sua vida, se não como futebol, pelo menos como algo semelhante a algo da condição humana, afinal, que outra atividade tem mudado tanto em menos de um século?
Já se foi o tempo em que o mais alto nível do football não era o ofício principal da atividade de seus atletas: operários jogavam futebol amador, e assim surgiu o Manchester United (formado por empregados de uma companhia de trêm). Com o aumento do interesse público, surgiram a profissionalização e contratos cada vez mais caros, em que pouco de sua fartura ia para o bolso dos jogadores: o teto salarial não permitia ascensão social, logo, todos os times, sendo da capital ou interior de um país, ganhavam salários parecidos. O fim do teto salarial foi uma conquista dos atletas, ao mesmo tempo em que marcou o declínio de tantas equipes que não podiam pagar os mesmos salários para quem exigia uma vida de 'novo rico'.
Já se foi o tempo em que clubes da América do Sul e Europa duelavam como dois gigantes: hoje, para se tornarem campeões mundiais sul-americanos reconhecem suas limitações e procuram vencer com muito mais cautela do que antes. Ninguém vai mais aos estádios com trajes impecáveis; O Santos não teria o maior jogador do mundo por toda a carreira; A seleção brasileira, que até a copa de 78 tinha todo o seu plantel de jogadores atuando no país, hoje conta com exceções que não atuem no exterior (na copa passada, foram convocados apenas Rogério Ceni e Mineiro do São Paulo e Ricardinho do Corinthians). Desde que a Coca-Cola começou a patrocinar a copa, em 78, uma nova era estava por vir: os anunciantes se repetem, sejam eles Gillette, Fuji e Philips, e de quebra as camisas das seleções nacionais contam com fornecedores como Adidas, Nike e Puma, que fazem muitos por fora dos bastidores do poder desconfiarem de tamanho dinheiro envolvido em partidas onde deveria reinar o compromisso apenas com a bola em campo.
Os estatutos de 5 grandes clubes brasileiros dizem o seguinte:
“O Sport Club Corinthians Paulista é uma sociedade civil, de fins não-econômicos e duração por tempo indeterminado.”
“O Santos F.C. [...] é uma sociedade civil, sem fins lucrativos.”
“O C.R. do Flamengo é uma sociedade civil sem fins lucrativos e de utilidade pública.”
“O C.R. Vasco da Gama é uma entidade desportiva, recreativa, educacional, assistencial e filantrópica de utilidade pública, sem fins lucrativos.”
“O Grêmio Foot-ball Porto-Alegrense é uma sociedade civil sem fins lucrativos.”
Em parte, suas essências se mantêm ligadas a um passado de comercialização da bola não tão agressivo, mas quem disse que a pareceria de Ronaldo e Corinthians, por exemplo, não trará enormes lucros para o clube do Parque São Jorge? Tudo se trata de trocar as palavras: A instituição Sport Club Corinthians Paulista não trabalha sozinha, e sim com parecerias, e essas sim tem fins lucrativos, a exemplo da MSI (não mais presente, mas que em 2005 montou um verdadeiro TIMÃO com Gustavo Nery, Carlos Alberto, Tevez, Mascherano, Nilmar e etc). Essas parecerias repartem seus lucros com o clube, que em teoria continua fiel ao seu estatuto, mas na prática executa uma hipocrisia que atrasa o desenvolvimento do país do futebol. Nós podemos sim formar clubes de futebol modernos que lucrem sem a dependência de parcerias, e um caminho para tal feito é a transformação desses tradicionais do futebol em clube-empresa: pois se o enriquecimento tem de vir para a sobrevivência do jogo nos tempos modernos, que venha de corpo e alma, com dirigentes competentes e honestos que saibam canalizar os recursos das equipes para tudo que se tornar vendável, de direitos televisivos a brinquedos licenciados. Quando compramos uma camisa de nossos times no camelô, nem de longe estamos ajudando financeiramente nosso clube: quem a fabrica na maioria das vezes não tem ligação com a entidade, diferente da Europa, aonde o consumo de produtos de seus times vai de tudo que se possa imaginar: camisas, toalhas, perfumes, bonecos, chocolates, relógios...
Já que é para entrar de vez nos tempos modernos, que tenhamos coragem de admitir que os tempos são outros, como claramente afirmou João Caetano, gerente da Traffic (empresa de marketing esportivo): "Nosso objetivo é formar e vender jogadores. Não existe paixão. Não temos torcida. É negócio". A Traffic tem um centro de treinamento na cidade de Porto Feliz (interior paulista) onde vivem 120 garotos que sonham em ser jogador de futebol (mas que tem a consciência que poucos deles conseguirão chegar lá). Negócio é negócio, o que é muito difícil para um torcedor apaixonado que prefere não enxergar as 'impurezas' do futebol (como até hoje eu tenho dificuldade de enxergar).
Empresas de futebol não são 'sagradas', aliás, nem a igreja católica é, tamanho seus latifúndios acumulados por todo o mundo gerando lucro para a sustentação de suas ideologias (não estou desrespeitando a crença, e sim comentando sobre a atividade econômica envolvida). Times de futebol nascem ou são comprados para vários fins: de lavagem de dinheiro a quem sabe, uma 'ingênua paixão de um torcedor'. Camisas são poluídas de patrocinadores, jogadores têm seus 'direitos federativos' (nome atual para 'passe'- só mudou o nome com a lei Pelé, quando o rei do futebol foi secretário de esportes) repartidos entre empresas. Dívidas não chegam ao conhecimento de tanta gente, irregularidades ainda pegam muitos jornalistas de surpresa, e eu, apaixonado por futebol, continuo amando esse esporte, mas tenho me desiludido um pouco com os tempos modernos, e tenho medo de um futuro que arranque o que de mais precioso tem numa partida: a imprevisibilidade do resultado.
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Há 2 dias
2 comentários:
Por tudo isso é que as vezes me sinto um perfeito idiota torcendo para meu time ou mesmo para a seleção brasileira seja de futebol ou outras modalidades esportivas. Estamos a viver na sociedade do consumo. Tudo e todos são objetos de consumo em potencial. Há escapatória? Talvez haja, mas o preço a pagar é muito alto.
Apesar de tudo isso, precisamos manter a chama da emoção viva, para que possamos, inclusive, dar vida ao que desejamos fazer por nós e pelo próximo.
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