terça-feira, 29 de março de 2011

Só quem é sabe o que é?

Os corintianos costumam dizer que só quem é corintiano sabe o que é ser corintiano. Para eles, é algo que transcende a razão, difícil de explicar. No entanto, várias outras coisas na vida são difíceis de se explicar, e só sendo pode se saber como é que é.

Da mesma forma que os alvinegros da terra da garoa se valorizam tanto no discurso, os torcedores de outros times usam frases de impacto para dizer que não há nada igual ao seu clube. Segundo o hino do Bahia, ninguém vence a sua torcida em vibração; Já o do Atlético Mineiro se trata como "imortal", e o do Flamengo afirma com convicção que, se o rubro-negro carioca não existisse, haveria mais tristeza no mundo

Cada um tem o direito de se expressar da forma que bem entender, mas para não cair no ridículo, é importante que a agremiação, no mínimo, tenha um hino e frases de efeito compatíveis com a sua realidade. Não adianta o Juventus da Mooca, por exemplo, se auto-afirmar como um "grande campeão": o rótulo de Moleque Travesso é apropriado para um time que não se destaca pelas glórias, e sim por ser pequeno e aprontar para cima dos grandes. Já o Galícia, de Salvador, se rotula como o "demolidor de campeões", e eu me pergunto: será que a sua torcida não gostaria de ser o próprio campeão, ao invés de trucidar equipes gloriosas e no final não ficar com o título? Apesar de respeitado na cidade pela sua história, o time da colônia espanhola é apenas o quinto maior vencedor de Campeonatos Baianos.

É preciso se reconhecer no slogan, mesmo que ele não corresponda com a expectativa mais desejada. Antes ser um emergente assumido do que ser um mentiroso com mania de grandeza. Nesse caso, não é preciso ser para saber o que é: todos reconhecem a cuiúda.




Será que todos os flamenguistas sentiriam um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo?




Será que ninguém nunca vence o Bahia em vibração?

sábado, 19 de março de 2011

O momento fast

A velocidade que o mundo nos impõe é cruel e nos tira o que de melhor podemos aproveitar. Os horários encurtam as relações e as rotinas, não é a toa que os fast foods são tão populares. A vida não dura muito mais do que 80 anos, e esse é o melhor pretexto para se jogar e transformar em realidade tudo que ainda é sonho. Temer a decepção inibe a ousadia.

Ao desistir de assistir um jogo decisivo do meu Bahia, deixei de fazer parte do momento mais emocionante desse time na década de 2000. A partida em questão era Bahia x Fast Clube, às 18h do dia 7 de outubro de 2007, e daria vaga para a última fase da Série C daquele ano. Na ocasião, o ABC de Natal viajou ao Acre para enfrentar, no mesmo horário, o Rio Branco. Já classificados, os potiguares não foram com o time completo, e se perdessem para a equipe acreana, o que era provável, o Bahia não teria chances de chegar na última etapa do torneio, que reuniria oito times na disputa por quatro vagas para subir à Serie B de 2008.

Pra que sofrer? Nem liguei o rádio. Nunca deixaria de ser Bahia, mas até um cara otimista como eu sabia que o mais provável era me frustrar se tentasse acompanhar a rodada dupla que definiria o destino do meu time de coração, que passava pelo pior momento da sua história. Lá pelas oito e pouca daquela noite, um estranho foguetório tomou as ruas de onde eu moro. Estávamos longe do São João, mas não era raro a vizinhança quebrar a rotina soltando fogos. Nem me toquei. Pouco depois, o telefone de casa tocou e minha mãe atendeu, enquanto eu estava no meu quarto. Da sala, sua voz ecoou pelos corredores e chegaram ao meu ouvido, em um tom de alegria estranhíssimo para um domingo à noite, horário de poucas boas noticias. Era o meu tio Mareco, um esquadrista (adjetivo para torcedor do Bahia que inventei agora) que há anos mora em Aracaju e nunca deixou de acompanhar o Esquadrão de Aço.

Não vou mentir que antes de ouvir a sua voz, cheguei a imaginar que pudesse ser algo com a classificação do Bahia, afinal, àquela hora a partida já havia terminado. Mas tentei não criar expectativa, até ouvir a notícia vinda de tão longe (356 km) relacionada a algo tão perto de mim: milagre na Fonte Nova! Ao saber de mais detalhes, me dividi entre a alegria de saber que meu Esquadrão estava classificado e a frustração de não ter acompanhado o jogo, uma epopeia fruto da fé da sofrida torcida, do empate sem gols entre Rio Branco e ABC, com direito a pênalti perdido, e para completar, cinco minutos de acréscimo num jogo sem paralisações que justificassem tamanha mãozinha da arbitragem. O gol foi aos 49 do segundo tempo, do sergipano Charles, atacante que, assim como Raudinei, herói do Baianão de 94, ficara eternizado pelo feito histórico, e não pelo futebol que apresentou. Foi de Aracaju que veio a informação do tento, assim como nela nasceu o seu autor: nem mesmo uma tradicional feijoada sergipana, com muita abóbora, seria tão saborosa quanto o novo prato da terra do caranguejo, o gol sobre o Fast Clube. Mas eu só o provei frio, embora ainda estivesse uma delícia.

O fim da década de 2000 deu amostras de como os anos 2010 podem ser diferentes para o Bahia: título brasileiro de 1959 reconhecido, acesso para a Série A do Brasileiro garantido e planejamento para a construção de um novo CT, que a longo prazo nos dará ótimos frutos. Não quero ver o Bahia em situações como a do jogo do Fast nunca mais, mas independente do que aconteça, terei mais coragem para acompanhar todos os jogos, e quem sabe, poder contar o quanto foi difícil acompanhar uma partida em que tudo conspirava contra, e ainda assim, as coisas deram certo. Mas prefiro superações na Libertadores do que na Série C, por favor.

domingo, 13 de março de 2011

O preço do sonho

O cinema nos ensina muito, assistir filmes é como fugir da realidade por alguns instantes e mergulhar na pele do personagem da história que estamos acompanhando. Uma das reflexões que tive hoje, assistindo dois filmes - Click e Cisne Negro - foi o preço que se paga por um sonho.

O primeiro, que passou hoje à tarde, na Globo/TV Bahia, eu já havia assistido em algumas oportunidades, e todas as vezes que o vejo aprendo algo novo, tento comparar a história do personagem de Adam Sandler com a minha. Michael Newman é um arquiteto workaholic que, ao tomar posse de um controle remoto que controla tudo que ele quiser, resolve usá-lo para conseguir melhores resultados profissionais, deixando a família para último plano. O excesso de domínio sobre a própria vida o faz perder momentos valiosos, e sem o comando de poder voltar atrás, ele vai se complicando e se arrependendo. No meu caso, estou no início da minha vida profissional, sou estagiário de um grande jornal da minha cidade, mas nunca é demais advertências como a dessa comédia cheia de lições de moral, afinal, o tempo vai passando rápido, e quando nos damos conta, conseguimos alcançar o que mais queríamos na nossa carreira, mas percebemos que deixamos para trás o que mais deveríamos amar: a nossa família.

Já em Cisne Negro, em cartaz nos cinemas, a israelense Natalie Portman interpreta uma bailarina que, de tão obcecada pelo papel em uma peça, deixa de lado a vida social e mergulha num inferno astral, com direito a alucinações e autoflagelação. Antes de conseguir ser selecionada como a rainha dos Cisnes, ela já dava mostras de sua fragilidade emocional, e mesmo realizada, não encontra paz interior (se você não viu o filme e acha que eu contei o final, fique tranquilo: só contei a introdução).

Vale a pena ir até o fim por qualquer coisa, pagando qualquer preço? Em Click, o cara que deu o controle para Michael Newman, Morty, deu um conselho ao protagonista ao contar a história de uma pessoa que perseguiu o arco-íris, acreditando que, ao chegar nele, encontraria potes de ouro, mas se decepciona ao cumprir sua meta e se deparar com um pote de cereais. Morty lhe alertou que não há como ser feliz trocando as ambições pelas coisas simples da vida.

Sonhar é válido, mas não vale qualquer preço, nem renúncias por coisas que não voltam mais.

Fotos: na esquerda, Click, na direita, Cisne Negro. Crédito: Divulgação